Carlos Frayão

Uma guerra movida por interesses que não são nossos…

09 de Abril de 2024


Há 3 anos escrevi aqui que «o fim do Serviço Militar Obrigatório [SMO] e a desconstitucionalização do dever de servir a Pátria foram medidas (…) lamentáveis».

Mantenho essa posição e as razões porque a defendi.

O SMO infundiu consciência cívica em milhões de jovens, reforçou nos cidadãos o sentido do dever de servir a República e de defender a Pátria e fortaleceu o «sentimento nacional» dos portugueses.

O SMO, assente num exército constituído pelo «povo em armas», foi (mal) substituído por um exército de militares profissionais e de voluntariado de mercenários que a História já mostrou que pode ser utilizado contra a democracia.

Acresce que a extinção do SMO – aprovada em 1999, com efeitos a 2004, com os votos favoráveis do PS, do PSD e do CDS e com o voto contra do PCP – não foi precedida de um debate público e foi motivada por fins puramente eleitoralistas.

Finalmente, a causa de fundo da extinção do SMO em Portugal e em muitos outros países foi a vitória do neoliberalismo, que, nos anos 80 e 90 do século XX, tudo fez para fomentar o individualismo egoísta, para esvaziar o papel do Estado e para privatizar as suas funções, inclusive a segurança e a defesa nacionais.

Estas as principais razões pelas quais a extinção do SMO representou, a meu ver, um grave retrocesso.

Nos últimos 20 anos, sob a pressão da carência de efectivos militares, raras vozes admitiram a possibilidade da reintrodução do SMO, como o ex-Ministro da Defesa Azeredo Lopes e o ex-Chefe do Estado-Maior (CEM) do Exército, Loureiro dos Santos, tendo este até dito que o actual modelo das Forças Armadas (FA) não atrai voluntários e é mais caro do que o SMO.

Estranha e surpreendentemente, porém, as mais altas chefias militares portuguesas (o CEM General das FA, o CEM do Exército e o CEM da Armada) convergiram há poucos dias em que «reequacionar o serviço militar obrigatório poderá ser uma medida necessária».

Não é difícil descortinar a relação que existe entre essa súbita convergência e a pressão que os EUA e a NATO estão a exercer sobre os países europeus para que venham a participar, com o envio de tropas, na guerra da Ucrânia.

Foi o próprio Ministro da Defesa francês, Sébastien Lecornu, que recentemente admitiu que nos encontros da NATO «falamos sobre (...) a capacidade de retenção de [recrutas]» e que «estas conversas existem, neste momento, em todas as capitais (…) que têm exércitos profissionais sem serviço militar obrigatório». 

Condenei e condeno a invasão da Ucrânia pela Rússia, por representar uma inaceitável violação das normas do direito internacional e sustentei e sustento que a Ucrânia tem o direito de se defender.

Mas não aceito a falsa tese dos EUA, servilmente seguida pela UE, de que se tratou de uma «invasão não provocada».

Tratou-se de uma invasão e de uma guerra provocadas e preparadas desde a derrocada da URSS, ou seja, desde há 30 anos, durante os quais a NATO expandiu e instalou as suas bases militares em países cada vez mais próximos da Rússia, com esta a fazer sempre saber que se sentia ameaçada por essa expansão e que o seu limite inultrapassável estava nas fronteiras da Ucrânia.

Cientes de que a expansão da NATO nos países do Centro e do Leste da Europa causaria, se chegasse à Ucrânia, inevitavelmente, um conflito, que a Rússia, do ponto de vista da sua segurança, consideraria existencial, nem por isso os EUA deixaram de a promover, visando com ela o desencadeamento de uma guerra para enfraquecer – e, se possível, derrotar – militarmente a Rússia, que naquela região representa um estorvo para o projecto de hegemonia global norte-americano.

As tremendas dificuldades que a Ucrânia está a enfrentar, ao fim de 2 anos de guerra, decorrentes da suspensão do apoio dos EUA e do esgotamento da capacidade dos países da UE de produção de armas e munições, levaram dirigentes europeus (Emmanuel Macron, Charles Michel, Donald Tusk) a produzirem declarações belicistas incendiárias com que pretendem influenciar as opiniões públicas no sentido da mobilização para a guerra…

E o discurso de que a Rússia, se derrotar a Ucrânia, atacará os países da NATO, é, pelo menos, delirante: Putin, mesmo sendo um ditador e um facínora, não tem qualquer interesse em começar uma guerra que ninguém ganhará e que dizimará a humanidade.

Os interesses que levam os EUA, a NATO e os líderes da UE a prepararem uma guerra directa com a Rússia são estranhos aos interesses do nosso país e do nosso povo.

Há 3 anos escrevi aqui que «o fim do Serviço Militar Obrigatório [SMO] e a desconstitucionalização do dever de servir a Pátria foram medidas (…) lamentáveis».

Mantenho essa posição e as razões porque a defendi.

O SMO infundiu consciência cívica em milhões de jovens, refor…





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