Carlos Frayão

Onde é que eu estava no 25 de Abril (I Parte)

26 de Abril de 2024


Ninguém me perguntou onde é que eu estava no 25 de Abril, mas, quando se celebra o 50º Aniversário da Revolução dos Cravos, apraz-me evocar factos memoráveis em que participei na véspera desse dia e no próprio dia.

Para contar esses factos preciso, porém, de recuar 4 anos em relação àquela data.

Em Novembro de 1970, sendo estudante do 3º Ano da Faculdade de Direito, em Coimbra, um colega de outra Faculdade recrutou-me para o Partido Comunista Português, tendo-me, assim, tornado militante do partido que o regime fascista definia como uma «associação secreta e subversiva».

No mesmo mês fui eleito Presidente da Direcção-Geral da Associação Académica de Coimbra e em 12/02/1971 fui preso pela PIDE, que me levou para a Prisão de Caxias, onde sofri um mês de isolamento, fui interrogado e torturado na sua sinistra sede na Rua António Maria Cardoso e só fui libertado em 02/04/1971 mediante o pagamento de uma caução de 7.000 escudos.

Eram tempos difíceis, em que os membros do PCP defendiam a sua actividade partidária com a prática de regras conspirativas cujo cumprimento era ainda mais exigente se tivessem estado presos porque nessa circunstância a perseguição e as devassas da PIDE tornavam-se ainda mais apertadas.

Por isso, depois de ter saído da prisão, deixei de ter em casa quaisquer documentos do PCP e passei a pedir a amigos em quem tinha elevada confiança pessoal e política que mos guardassem até eu precisar deles.

O mais próximo e íntimo desses amigos era o Álvaro Matos, meu condiscípulo na Faculdade de Direito, que comigo fora convidado, pelo respectivo Professor, para elaborar a “sebenta” da cadeira de Economia Política, envolvido no movimento estudantil e nas acções da Oposição Democrática, com o qual eu participava em convívios e tertúlias e com o qual, com outros colegas, fazia espertinas de estudo quando os exames se avizinhavam.

O Álvaro Matos chegou a emprestar-me o carro dele para eu me deslocar a encontros e reuniões do PCP, ajudando-me a iludir a vigilância da PIDE às minhas movimentações e nunca me perguntou que documentos é que eu lhe tinha pedido para guardar ou para que fim é que eu lhe pedira o carro emprestado, sendo que esta discretíssima conduta era adoptada por outros amigos que satisfizeram pedidos meus semelhantes, inclusive o de me disponibilizarem as suas casas para reuniões…

Deixei de me encontrar com tanta frequência com o Álvaro Matos quando o serviço militar o obrigou a interromper os seus estudos, tal como a milhares de outros universitários, para serem mobilizados para a guerra colonial, e só retomei os contactos regulares com ele depois de ter sido colocado, como aspirante miliciano, num quartel próximo de Coimbra, no Regimento de Artilharia Pesada 3 (RAP 3), na Figueira da Foz.

O Comité Local de Coimbra (CLC) do PCP, o organismo a que eu pertencia e que dirigia o trabalho clandestino do PCP naquela cidade, tinha marcada, por mera coincidência, uma reunião de manhã, muito cedo, para o mesmo dia em que o M.F.A. viria a desencadear o levantamento militar, ou seja, do dia 25 de Abril de 1974.

Na noite de 24 para 25 de Abril, pelas 23:30 horas, o toque da campainha da porta da minha casa surpreendeu-me…

Mais me surpreendeu ter aberto a porta e ter dado de caras com o Álvaro Matos, que, depois de ter entrado, me estendeu o embrulho que tinha nas mãos e me disse:

– Tenho que te deixar o que me entregaste porque esta noite o RAP 3 vai avançar em direcção a Lisboa e se as coisas correrem mal não podem encontrar materiais destes em minha casa…

Porque menos de um mês antes fracassara o “golpe das Caldas” e se falava da iminência de um golpe dos “ultras” chefiado por Kaúlza de Arriaga, perguntei-lhe:

– Isso é do Kaúlza ou é uma coisa boa?

Ele disse-me que era uma coisa boa, «para acabar com o fascismo e com a guerra colonial, para libertar os presos políticos e instaurar uma democracia»…

Não podia (nem devia) perguntar-lhe mais nada…

Abraçámo-nos, ele partiu e fiquei a queimar os documentos que me deixara, para o caso de no dia seguinte as coisas correrem mal, do meu lado e/ou do lado dele…

Ansioso, ainda tentei descansar algumas horas para estar preparado para o que sucedesse no dia seguinte…

Adormeci consciente de que seria portador de informações muito importantes para a reunião do CLC do PCP do dia seguinte…

Soube depois da missão da coluna militar que nessa madrugada saiu do RAP 3, comandada pelo Capitão Dinis de Almeida, para ocupar o Forte-Prisão de Peniche e o Regimento de Artilharia de Lisboa (RALIS)…

Narrarei numa próxima crónica esses acontecimentos e aqueles em que participei no 25 de Abril. 

Ninguém me perguntou onde é que eu estava no 25 de Abril, mas, quando se celebra o 50º Aniversário da Revolução dos Cravos, apraz-me evocar factos memoráveis em que participei na véspera desse dia e no próprio dia.

Para contar esses factos preciso, porém, de recuar 4 anos em relação àquela data.





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