Jorge Moreira Leonardo

Carta de uma desconhecida (III)

14 de Março de 2024


Contou que regressado à Metrópole e devido à falta de empregos, sabia que não tinha condições para sustentar uma família. Foi como muitos outros “a salto” para França, onde fez uma pequena fortuna. Quando se legalizou, foi das primeiras coisas que decidiu foi vir procurar minha mãe e levá-la para França. Desconhecia a minha existência. Razão por que se emocionou.

Minha mãe apenas pediu que antes se casassem, pois queria que todos soubessem que já não era mãe solteira. Ao que meu pai anuiu.

Antes de partimos para França, passámos uma semana em Bragança, pois meu pai quis apresentar-nos aos familiares que nos demonstraram bastante carinho. Meus avós choraram de felicidade. Minha avó paterna fez uma afirmação que nos emocionou: - Já posso morrer descansada! O meu filho revelou ser o homem honesto que eu sempre quis que ele fosse.

Meu pai confidenciou-nos um dia que os pais lhe juraram que nunca aceitariam outra nora que não fosse a rapariga a quem ele ficou devendo casamento.

Chegados à França fomos surpreendidas com a magnífica casa que meu pai adquirira. Principalmente quando comparámos com o pobre casebre onde vivi com minha mãe.

Meu pai resolveu contratar uma preceptora para nos ensinar francês, que ele já dominava.

Quando a preceptora entendeu que já estava apta, fui matriculada numa escola que era aliás frequentada por um número considerável de moços e moças que, tal como eu, eram filhos de portugueses que tinham partido para França igualmente “a salto”.

Passamos a visitar meus avós paternos em todas as épocas festivas – que eu adorava – e no decurso das quais meu pai aproveitava para nos mostrar o nosso país que hoje me orgulho de conhecer de lés a lés. Meu pai pretendia assim, compensar os pais da longa separação a que as circunstâncias da vida os sujeitaram.

Meu pai um dia sugeriu a minha mãe, uma visita à terra dela, mas minha mãe embora agradecendo a sugestão, recusou. Nada a prendia a uma terra, onde só conheceu infelicidade. E quanto aos parentes, tiveram o tempo todo deste mundo para a procurarem, numa altura que mais precisava. O que mais a entristecia era ver os meus olhos voltados para as crianças usando coisas que não estavam ao nosso alcance, o que vem aumentar o significado do seu gesto.

Casei com o rapaz que conheci na Escola e que obteve um Curso de Gestão de Empresas e hoje é um precioso auxiliar de meu pai.

De então para cá, conheci a Felicidade que não me foi concedida na infância. Apenas ensombrada pela recente morte de minha adorada mãe. Mas onze anos de amargurada mãe solteira, com as inevitáveis humilhações, a dureza do trabalho com que nos sustentou aliada a uma pobre alimentação, cobraram o seu preço. Mas posso afirmar que, nos últimos trinta anos da sua vida viveu feliz e feliz morreu.

Até porque ainda viveu para conhecer casal de netinhos em cuja criação também, carinhosamente, se empenhou. A minha vida tem sido recheada de momentos felizes. Mas, sempre que recordo o seu percurso, aquele momento que me proporcionou, aparece como o mais significativo de todos.

Espero que a sua vida tenha sido tão feliz, como a Felicidade que me proporcionou.  Que Deus o abençoe. FIM

Contou que regressado à Metrópole e devido à falta de empregos, sabia que não tinha condições para sustentar uma família. Foi como muitos outros “a salto” para França, onde fez uma pequena fortuna. Quando se legalizou, foi das primeiras coisas que decidiu foi vir procurar minha mãe e levá-la para França. De…





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