Não é o número de votos que um partido recebe que lhe dá credibilidade e garante a salvaguarda de princípios humanistas, basta olhar para vencedores com maioria em democracia como Trump e Bolsonaro, que tal não os tornou mais responsáveis e confiáveis. Não coloco Putin neste pacote, pois a estratégia de eliminação dos adversários não é compatível com democracia liberal ocidental, mas recordo que, no passado, Hitler venceu democraticamente eleições e isso não fez dele um humanista por muitos votos que tenha alcançado.
Dói, mas é verdade. A democracia tem esta fragilidade dá legitimidade eleitoral através do voto, mas não branqueia ideias erradas que mereceram aprovação por esta via. Reconheço o direito dos eleitos ocuparem o seu lugar no regime, mesmo a quem luta contra o sistema que o permite eleger, mas isso não torna malignidade em bondade.
Contudo, mesmo quem tem ideias erradas pode ter propostas aceitáveis e viáveis. Muitos erros andam por vezes de mãos dadas com boas propostas e separar o trigo do joio é complicado, mas importa ser feito. Tudo o que é bom deve ser aproveitado, mesmo vindo de lados duvidosos, até porque ninguém é perfeito e os bem intencionados podem gerar efeitos atrozes.
A extrema direita que existe em Portugal merece a minha discordância em muito do que diz e entra em choque com os meus princípios humanistas. Esta, nos últimos dias, mostrou que, além de populista e demagoga, também pode ser uma entidade não confiável na palavra e na ação, por muitos votos que tenha tido.
Na semana passada, foi evidente porque o “Não é não” de Luís Montenegro pode ser um aspeto importante para a estratégia de sobrevivência de muitos dos valores democráticos em Portugal que o PSD defende. Este é um partido que busca o difícil equilíbrio entre o humanismo e o liberalismo democrático e não pode comprometer os princípios da equidade e da social-democracia.
Nos últimos anos a política em Portugal tem sido alterada com o acutilar da rivalidade das forças políticas do centro democrático, o que disfarçou o muito que têm em comum os projetos o PSD e o PS, expondo, sobretudo, as diferenças, que de facto existem. Esta nova conjuntura cria a tentação de preferência de aproximação a projetos mais radicais nas franjas mais extremistas dos campos esquerda/direita e é uma situação que tem dificultado a salutar cooperação entre forças políticas de centro em setores estratégicos nacionais.
Apesar desta realidade, o entendimento entre o PSD e o PS para desbloquear a eleição do Presidente da Assembleia da República mostrou que o centro ainda se pode entender e ainda há esperança para a sobrevivência de uma democracia liberal, não autoritária, nem extremista.
Os dois partidos mais centrais no domínio ideológica têm de conciliar a ânsia legítima de cada um em ser o líder do poder sem empurrar o outro para extremos de modo a se eternizar no governo. O que não só compromete o saudável princípio da preservação de alternativas viáveis como levaria à alternância a ser uma forma de reverter as ações implementadas pelo outro, apenas porque vieram de campos opostos extremados. O balanço deste fazer e desfazer, a longo prazo, dá um saldo zero ao desenvolvimento socioeconómico do País.
Na última década e meia, ora com austeridade que degradou o bem-estar de muitos, ora com os elevados impostos que impossibilitaram a melhoria de vida de outros, ora com as cativações que levaram a contas certas com degradação de muitos serviços públicos, ora com radicalismo ideológico que conduziu ao não aproveitamento de sinergias vindas de agentes privados numas situações ou a dar-lhes condições exageradas em concessões, tudo isto resultou num balanço onde Portugal, apesar de se aproximar da média de Europa em matéria de PIB per capita, viu ser-se ultrapassado em qualidade de vida por muitos países desta união que antes eram mais pobres, um saldo bom para a economia nas estatísticas, mas mau para a vida real dos Portugueses.
Espero que o sinal de bom senso dado na Assembleia da República dê frutos de cooperação para que se restabeleçam pontes que permitam Portugal recuperar a qualidade de vida das pessoas sem comprometer as finanças do Estado e os valores da democracia e que sejam os mais radicais a se moderar e não a se extremarem, tanto no Continente, como nos Açores, aqui aonde este sinal de esperança ao centro não foi ainda visto.