A partir de Novembro p. p. André Ventura moderou o seu discurso e esforçou-se por apresentar o CH como um partido de direita que respeita o regime democrático.
Fê-lo, porém, só até à passada 2ª feira, dia em que, para tentar travar a fuga de eleitores para a AD, regressou ao seu discurso habitual.
Até então Ventura evitou referir-se às propostas de instituição da prisão perpétua, de castração química dos pedófilos, de tratamento discriminatório dos ciganos, de abolição do que considera ser a educação «estatizada, marxista e totalitária» da escola pública, de inclusão na Constituição do «dever de conhecer a língua e a cultura portuguesas» para aquisição da nacionalidade, não invocou o lema de inspiração salazarista «Deus, Pátria, Família e Trabalho» nem provocou no Parlamento, enquanto este não foi dissolvido, as assuadas e pateadas do costume…
Vimo-lo e ouvimo-lo, na campanha eleitoral, à boa maneira populista, a gritar que vai «acabar com a corrupção» e a desdobrar-se em desvairadas promessas de acabar com os sem-abrigo, de arranjar casas para todos, de aumentar as pensões até ao valor do salário mínimo nacional, de acabar com as listas de espera na saúde, de extinguir as portagens e de reduzir a imigração…
Esta cosmética eleitoral não ilude a maioria dos portugueses, que está ciente de que a democracia é uma conquista inalienável do 25 de Abril e de que o CH é um partido antidemocrático que aspira à instauração de um regime autoritário e que extremaria ainda mais as profundas desigualdades da nossa sociedade.
Mas, mesmo estando a perder votos para a AD, o CH terá uma ascensão meteórica que representa uma ameaça para a democracia: atestam-no as sondagens que admitem que aquele partido alcance nas próximas eleições legislativas entre 15% e16% dos votos e entre 30 a 40 deputados.
Bem sei que a maioria dos apoiantes no CH não são racistas, xenófobos ou fascistas e que os seus votos são votos de protesto contra o brutal agravamento das desigualdades e das injustiças promovidas, sobretudo nos últimos 20 anos, pelas concessões à agenda neoliberal dos governos do PS, do PSD e do CDS...
Há, entretanto, apoiantes do CH com outras motivações: segundo alguns estudos, 50% dos eleitores mais jovens votarão à direita e deles 16% votarão no CH, atraídos pela “novidade” deste partido e influenciados pela internet…
Creio que na opção eleitoral desses jovens também pesa, para além da desinformação das redes sociais, o facto de não darem valor à democracia e à liberdade de que sempre disfrutaram mas que só existem em Portugal há 50 anos…
O CH não é, a meu ver, um partido pós-fascista (um partido em transição do fascismo para formas mais moderadas de conservadorismo): os partidos fascistas actuais não têm que acolher todos os traços histórico-concretos dos regimes fascistas europeus dos anos 20 a 40 do século passado.
É elucidativo, a este propósito, o relatório de 27/06/2023 de uma insuspeita ONG norte-americana, a GPAHE - Global Project Against Hate and Extremism (Projecto Global Contra o Ódio e o Extremismo), do qual consta que o CH «tem trabalhado para envenenar o discurso nacional com uma retórica racista, anti-LGBTQ+, anti-imigração e anti-cigana e transformou-se numa espécie de casa comum para identitários, conspiracionistas, supremacistas brancos, nostálgicos de Salazar, nacionalistas cristãos e outros extremistas de direita» e que a «Juventude Chega (…) tem membros mais radicais (…) que difundem conteúdos abertamente racistas e fascistas».
Só será possível apaziguar a revolta e o descontentamento que estão na base da vertiginosa ascensão do CH com políticas de sinal contrário às que têm sido promovidas pelo PS e pelo PSD, que combatam a pobreza e as crescentes injustiças e desigualdades e que deixem de estar ao serviço dos interesses do capital financeiro, da banca e das multinacionais.
Tal apaziguamento também exige, porém, que os restantes partidos não normalizem o CH, isto é., que não o tratem como tratam qualquer outro partido…
Desenganem-se os que julgam que a democracia é uma conquista irreversível: a História já demonstrou que a democracia nunca esteve nem está garantida e que com o fascismo não se dialoga nem se negoceia…
Foi a coligação PSD/CDS/PPM, que, lamentavelmente, iniciou nos Açores, há 4 anos, a normalização do CH, com o acordo de incidência parlamentar que com ele celebrou com o beneplácito das direcções nacionais do PSD e do CDS…
Seria imperdoável se Bolieiro prosseguisse tal normalização e pusesse em prática a sua recente afirmação de que se «recusa a fazer cercas sanitárias» ou se dirigentes e personalidades influentes do PSD nacional sucumbissem à tentação de fazer qualquer acordo, fosse ele qual fosse, com o CH…