Jorge Moreira Leonardo

Os Filhos (XVI)

07 de Outubro de 2022


No dia em que decidiu procurar o advogado, com o qual, através dum telefonema, já havia acertado a hora, descia pensativo a rua de Jesus quando deu de caras com o José e a Joana na companhia dum jovem adolescente que não teve dúvidas tratar-se do filho do casal. Não pôde evitar ter de cumprimentá-los a que ambos responderam com grande frieza. Quando ele pensava como cruel era a vida que permitia estar com aquela atitude formal diante de duas pessoas a quem outrora estivera tão ligado, a uma pelo amor e a outra pela amizade, ela pousando as mãos nos ombros do filho e colocando-o à sua frente, apresentou: - O nosso filho!

Não foram tanto os traços do moço - que também não eram assim tão evidentes - mas a maneira como ela pronunciou aquelas palavras - nosso filho - que fez acompanhar dum olhar - que ele considerou cúmplice - que mais o convenceu: aquele moço era seu filho. Despediram-se com um cumprimento tão frio quanto o primeiro, mas ele teve necessidade de procurar um café para se sentar a uma mesa de atordoado que estava. Pediu uma água mineral que nem lhe apetecia e foi apenas pretexto para ficar ali sentado um pouco a ver se recuperava do choque. Quando se preparava para pagar a conta e seguir para o escritório do advogado, entrou no estabelecimento o Carlos Gonçalves que, apesar dos seus protestos, o obrigou a sentar-se de novo para conversarem um pouco. Ele acedeu, contrariado, pois recordava bem o feitio tagarela deste ex-condiscípulo e já estava bastante fora da hora aprazada para o seu encontro com o advogado. E teria ficado absolutamente indiferente ao imenso caudal de bisbilhotices, não fora o Carlos afirmar, a certa altura: - Então o santarrão do José levou o carro adiante dos bois! Foi para calar a boca da presumida da mãe, para quem o seu menino não tinha defeitos!

- O que estás a dizer? – perguntou ardendo de curiosidade.

- Então não sabes? O bebé nasceu oito meses depois do casamento. Era a confirmação que, no entanto, não o emocionou mais do que já estava. 

Despediu-se duma forma quase brusca e foi, finalmente, ao encontro do advogado, a quem apresentou uma desculpa qualquer. Encarregou-o de tratar de todos os actos destinados à passagem para seu nome dos bens da madrinha, tendo-lhe deixado um cheque dum montante que acordaram ser suficiente para as primeiras despesas e indicou-lhe o irmão como intermediário sempre que necessitasse contactar com ele.

Três dias após a missa regressou ao Continente, tendo primeiro destinado que o irmão ficasse encarregado de receber as rendas dos terrenos que a madrinha lhe deixara e manter a casa em condições, pois pensava utilizar em futuras férias, o que nunca veio a acontecer. Anos mais tarde sugeriu quer aos pais quer ao irmão que habitassem a casa, mas ambos recusaram. Os pais por estarem habituados ao que chamavam ser o seu cantinho e o irmão por já ter mandado construir uma, bastante ampla, e com todos os modernos confortos.

No dia em que decidiu procurar o advogado, com o qual, através dum telefonema, já havia acertado a hora, descia pensativo a rua de Jesus quando deu de caras com o José e a Joana na companhia dum jovem adolescente que não teve dúvidas tratar-se do filho do casal. Não pôde evitar ter de cumprimentá-los a que ambos responderam com grande friez…





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