Carlos Frayão

O Governo Regional cedeu à pressão de um cacique

30 de Junho de 2022


No dia 14 de Maio p. p. tive a notícia de um facto que apresentava muitos indícios de tratar-se de um saneamento político: a exoneração pelo Governo Regional PSD/CDS-PP/PPM do médico e militante do PCP Dr. António Salgado do lugar de Presidente do Conselho de Administração da Unidade de Saúde da Ilha do Corvo (USIC), para o qual o mesmo Governo o nomeara em 29/12/2020 para um mandato de 3 anos (que só terminaria, por conseguinte, em 28/12/2023) e a nomeação para esse cargo do médico Dr. Paulo Margato, candidato por São Miguel nas listas do PPM às últimas eleições legislativas regionais.

A população realizou uma manifestação de apoio ao Dr. António Salgado – que continuou, entretanto, a ser médico do quadro da USIC e Delegado de Saúde – tendo circulado um abaixo-assinado a pedir a sua manutenção em todos os cargos que ocupava.

O Dr. António Salgado responsabilizou pela sua exoneração o Deputado do PPM, eleito pela ilha do Corvo, Paulo Estevão, do qual disse que se comporta como «dono disto tudo» e este negou ter tido qualquer interferência na decisão.1 

O Governo Regional nunca explicou devidamente as razões da exoneração do Dr. António Salgado.

Mas o Deputado Paulo Estevão desdobrou-se em considerações sobre tal exoneração, alegando, por exemplo, que os vogais do Conselho de Administração da USIC se teriam sentido «desautorizados» pelo Dr. António Salgado; que os que recolhiam assinaturas para o abaixo-assinado, «enganando as pessoas», eram militantes do PS; e que o facto de o Dr. Paulo Margato passar a residir no Corvo «uma parte significativa do mês» daria aos corvinos a possibilidade de terem duas opiniões médicas2 (o Corvo vai ter, esclareço, dois médicos para 380 utentes, quando há mais de um milhão de portugueses sem médico de família)…

Os argumentos do Deputado Paulo Estevão não me convenceram, mas há dias chegou-me às mãos uma entrevista que ele deu a um jornal terceirense3, onde faz juízos sobre o Dr. António Salgado, que põem fim a quaisquer dúvidas que possam subsistir sobre as razões políticas da sua exoneração.

Nessa entrevista, para além de “acusar” o Dr. António Salgado de ser «antes de mais um político» e de ser um «médico formado na antiga União Soviética, antigo vereador do PCP em Guimarães e candidato do PCP em dezenas de actos eleitorais», afirma que ele «pertence à ala estalinista do partido e é (...) um acérrimo defensor da invasão russa da Ucrânia» e que tudo é «um caso gritante de manipulação da opinião pública, ao melhor estilo do KGB soviético e da Rússia de Putin»4.

Não sei se o Dr. António Salgado é ou não um «estalinista» e ignoro se ele é ou não «um defensor da invasão russa da Ucrânia»…

Sei, contudo, que, em democracia, caso tivesse essas opiniões, o Dr. António Salgado teria direito a tê-las, por mais antipáticas que fossem, tal como o monárquico Paulo Estevão tem o direito de defender a bolorenta ideia da restauração da monarquia em Portugal…

Não sei se o Dr. António Salgado foi mais ou menos vezes candidato pelo PCP em actos eleitorais do que o foi o Deputado Paulo Estevão pelo CDS e pelo PPM, mas sei que a Constituição confere a ambos esse direito e não limita o número de vezes que cada um pode exercê-lo…  

Foi de forma aparentemente negativa que Paulo Estevão referiu que o Dr. António Salgado se licenciou em medicina na «antiga União Soviética», o que atribuo ao seu desconhecimento de que a URSS teve um sistema muito avançado, internacionalmente reconhecido, de saúde, investigação e ensino médicos…

Ninguém apontou ao Dr. António Salgado qualquer ilegalidade, uma irregularidade sequer, no exercício da sua profissão de médico ou do cargo de Presidente do Conselho de Administração da USIC.

Seis dos sete funcionarios da USIC assinaram um documento a pedir a reversão da exoneração do Dr. Antonio Salgado e a afirmar que ele foi afastado por razões partidárias.

Acrescento que tudo indica que o Governo Regional, ao decidir tal afastamento, cedeu, vergonhosamente, à pressão de um cacique.

 

1 Açoriano Oriental, 19/05/2022.
2  Idem, ibidem.
3 Diário Insular, 25/05/2022.
4 Idem, ibidem.
5 RTP Açores, 17/05/2022.
6 Cacique: político que dispõe dos eleitores de uma localidade (Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, 6ª Edição).

 

O autor não segue as regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990

No dia 14 de Maio p. p. tive a notícia de um facto que apresentava muitos indícios de tratar-se de um saneamento político: a exoneração pelo Governo Regional PSD/CDS-PP/PPM do médico e militante do PCP Dr. António Salgado do lugar de Presidente do Conselho de Administração da Unidade de Saúde da Ilha do Corvo (USIC),…





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