Quase toda a comunicação social instilou na opinião pública a ideia de que os portugueses ficaram orgulhosos com a eleição de António Costa para o cargo de Presidente do Conselho Europeu (CE)…
Uma conhecida jornalista escreveu mesmo sobre a eleição de António Costa para aquele cargo que se está a gerar «um simpático consenso e um inebriante orgulho nacional» e que «os brios nacionais sentem-se afagados».1
Não me pareceu que a jornalista estivesse a ironizar, mas, ainda que estivesse, devo dizer que não sinto qualquer orgulho com a “promoção” de António Costa…
Não duvido das qualidades que são atribuídas a António Costa, como a sua experiência política de governação e a sua capacidade de diálogo, de conduzir negociações e de estabelecer consensos…
O que questiono é a natureza da UE, o papel que tem desempenhado e o projecto que representa: Costa foi escolhido para desempenhar um cargo de responsabilidade numa instituição que não tem estado, nem vai estar, ao serviço dos trabalhadores e dos povos da Europa e da generalidade dos seus Estados-membros, mas ao serviço dos monopólios, das transnacionais e das grandes potências europeias, designadamente da Alemanha e da França.
Portugal aderiu em 1986 à Comunidade Económica Europeia, hoje UE, e obrigado, desde então, a cumprir as regras de adesão e de permanência naquelas instituições, perdeu importantes instrumentos de soberania nacional e tem visto as suas possibilidades de desenvolvimento comprometidas, a sua capacidade de planificação e de investimento limitada e a sua relação de dependência em relação a outros Estados agravada.
Os primeiros fundos europeus serviram para a construção de grandes obras infraestruturais, sobretudo autoestradas, para uma mais fácil penetração no nosso mercado dos produtos estrangeiros, o que fragilizou e em muitos casos arruinou indústrias nacionais, ao que acresce que o Estado português foi proibido, em nome da regra da «livre concorrência», de ajudar importantes sectores tradicionais, como a construção naval e a siderurgia, que foram, assim, aniquilados.
A Política Agrícola Comum serviu para estimular e proteger excedentes de produção nos países ditos do «centro» e para financiar «ajustamentos» – na verdade, diminuições – da produção nos países da «periferia», nos quais, como aconteceu em Portugal, foram liquidadas centenas de milhares de pequenas e médias explorações agrícolas.
A Política Comum das Pescas utilizou os fundos comunitários para promover um abate indiscriminado das nossas embarcações de pesca e Portugal, apesar de ter a terceira maior Zona Económica Exclusiva (ZEE) da UE, importa hoje 60% do peixe que consome.
Em nome da regra da limitação dos défices orçamentais – que a França não respeita: em 2023 o seu défice e a sua dívida pública atingiram os valores, respectivamente, de 5,5% e de 110,6% do PIB – a UE determina reduções da despesa primária do Estado dos governos nacionais, impondo-lhes, assim, desinvestimento nos serviços públicos, ao mesmo tempo que emite directivas no sentido da liberalização e da privatização desses serviços, com o que se verifica uma crescente mercantilização e degradação dos serviços públicos e das funções sociais do Estado (saúde, educação, segurança social, habitação, transportes, energia, serviços postais e outros).
Não consigo abordar aqui, entre outros, os importantes temas da política da UE de incentivar a privatização das nossas empresas estratégicas, hoje quase todas nas mãos do capital estrangeiro; ou dos «fundos estruturais», apresentados como instrumentos da política europeia de solidariedade e de coesão, mas que funcionam, na realidade, como transferências da UE para compensação monetária dos impactos negativos da integração europeia, tendo o saldo das transferências da UE para Portugal vindo a ser ultrapassado pelo saldo das transferências de Portugal para os países da UE sob a forma de juros, rendas, dividendos e lucros; ou do recente aprofundamento da deriva militarista da UE, que absorve cada vez mais recursos para a indústria do armamento, em prejuízo da promoção da coesão económica e social, do combate à pobreza e do desenvolvimento.
Há muito que os partidos sociais-democratas – incluindo os que se auto-intitulam «socialistas», como o PS português – cederam, em toda a linha, à ofensiva neoliberal que domina o mundo e que foi desencadeada por Thatcher e Reagan no início da década de 80 do século XX.
Por isso, as funções europeias de António Costa não vão ser diferentes, nos seus objectivos políticos, económicos e sociais, das que exerceu em Portugal durante 8 anos como Primeiro-Ministro.
1 SÃO JOSÉ ALMEIDA, Público, 29/06/2024.