O mês de março no Faial foi marcado por dois momentos de (re)união pública, muito participados, nos quais se afirmou o combate contra as desigualdades e se refletiu em conjunto sobre machismo, igualdade de género, racismo e xenofobia.
No Dia da Mulher, uma centena de pessoas saiu à rua numa marcha organizada pelo coletivo informal faialense “Sem Capote”, inserida no movimento nacional Rede 8 de Março. Esta marcha terminou com a leitura de um manifesto no qual se abordou a violência doméstica, a violência sexual, o assédio no contexto laboral, a disparidade salarial e a falta de equidade na distribuição dos papéis de género.
A 20 de março, um grupo de cidadãos organizou uma vigília de homenagem a Ademir Araújo Moreno, falecido na sequência de uma agressão, presumivelmente motivada por ódio racial. Cerca de duzentas pessoas compareceram, algumas deram o seu testemunho enquanto vítimas de discriminação racial.
Estes dois exemplos de exercício democrático trouxeram para o centro do debate preconceitos tão enraizados na nossa sociedade que muitos não tem consciência da sua existência, outros preferem não ver.
A identificação dos problemas é fundamental para que se possa discutir e, consequentemente, agir: mudar comportamentos individuais e coletivos, encontrar soluções políticas de não-discriminação. É preciso debater para combater!
A manifestação das mulheres não foi noticiada, o homicídio de Ademir Araújo Moreno passou praticamente despercebido no âmbito nacional. É também desta invisibilidade que falo. Trazer para as primeiras páginas estes acontecimentos, com isenção e seriedade, sublinho, não é alimentar polémicas, é dar voz e dignidade às vítimas de machismo e de discriminação étnico-racial.
Há quem defenda que estes são “não-temas”. Pergunto: quando quem é vítima de discriminação racial assume o lugar da fala, será que não é suficiente para aceitarmos que há racismo? Achamos que os crimes de violação ou de violência doméstica não têm na sua génese uma visão patriarcal do corpo e do papel da mulher? Acreditamos mesmo que uma pessoa racializada ou uma mulher têm a mesma igualdade de oportunidades que um homem branco?
O número de crimes de descriminação e incitamento ao ódio em Portugal aumentou 38% em 2023 face a 2022. Nesta categoria, estão incluídos os crimes motivados por ódio étnico-racial, descriminação pelo sexo, pela orientação sexual ou pela identidade de género da vítima (dados recolhidos pela Lusa junto da PSP e da GNR, segundo o jornal Público).
Num momento em que assistimos ao crescimento da extrema direita em Portugal, é fundamental não deixarmos que os discursos racistas, xenófobos e machistas se normalizem ao ponto de as suas vítimas se tornarem invisíveis. Seguir como se nada fosse, só contribui para perpetuar as injustiças e enfraquecer a democracia.