José Couto

O Mercado Energético Açoriano

12 de Fevereiro de 2024


Talvez devido á instabilidade política dos últimos meses, poucas pessoas estejam atentas á evolução da transição energética. Mas apesar de tudo, convém mantermo-nos atentos á concretização e gestão dos nossos projetos, que hão de sobreviver a esta crise política e irão influenciar a qualidade de vida dos açorianos no longo-prazo. Neste sentido, é de chamar a atenção para a decisão de investimento do (último) governo regional de 131,9 milhões de euros, até 2027, em projetos de energia fotovoltaica e eólica em 8 ilhas do arquipélago. Investimentos estes que, segundo a secretária regional do Turismo, Mobilidade e Infraestruturas, serão feitos com recurso a verbas do PRR e serão executados pela EDA Renováveis.

Este deve ser um dos maiores investimentos canalizados pelos fundos europeus para a infraestrutura verde açoriana, e apesar de ser um esforço louvável na transição energética, creio que levanta outras questões logísticas e de manutenção deste sistema, que são igualmente essenciais para garantir que os Açores se tornam uma região mais sustentável. De onde virá o financiamento da infraestrutura, quando os fundos do PRR terminarem? A quem será concedida a sua gestão? Refletir sobre estas questões é um exercício crucial para nos assegurarmos que a nova infraestrutura energética dos Açores não se torna também ela um peso para os açorianos.  

E podemos começar por olhar para todos os projetos já em implementação ativa no Portal da Energia, da Direção Regional da Energia. Sendo o braço executivo da Secretaria Regional do Turismo, Mobilidade e Infraestruturas, os propósitos e objetivos da Direção são vários, mas é de notar o seu objetivo de implementar a transição energética, através da alocação dos fundos do PRR nestes projetos de infraestrutura verde. Berta Cabral disse que a execução destes fundos seria feita pela empresa EDA Renováveis. Mas manter esta nova infraestrutura irá requerer fundos e recursos que terão de vir de algum lado, algo que o governo regional terá de ter em conta. Nesse sentido, urge desenvolver uma nova estratégia orientada para o desenvolvimento do setor privado na região e com este, de novos fundos e perícias que poderão contribuir para a gestão e manutenção da nova infraestrutura, contribuindo também, e ao contrário do que muitos poderão pensar, para a resiliência e coesão da região, ao diversificar as fontes de investimento destas infraestruturas e incentivar também á fixação de mais jovens e população na região, por meio de criação de novas oportunidades de emprego.

Esta é uma perspetiva que os Açores devem adotar em vários setores económicos e sociais e não apenas no mercado energético, a fim de deixarmos de ser uma região isolada do resto do mundo, e passarmos a ser um ponto nevrálgico essencial na economia nacional e internacional. Mas no que concerne o mercado energético açoriano, o monopólio detido pela EDA Renováveis é um dos principais fatores que nos impede de atingir este potencial. Isto fica demonstrado pelos fundos exigidos aos açorianos e portugueses em geral pela manutenção dos seus serviços na produção e distribuição de energia (117 milhões de todos os consumidores de energia do mercado regulado fornecidos pela ERSE, mais 6 milhões para tarifa social), e por práticas que o seu monopólio lhe permite, como a aquisição do excedente de energia de todos os produtores autónomos da região, que procuram desenvolver a sua própria energia por meio de programas como o da Solenerge, e que não têm outra opção senão aceitar os preços exorbitantes da EDA para injetarem o excedente na rede pública, em virtude de esta ser a única entidade disponível para a compra e estar encarregue também da rede de distribuição.

Deste modo, este monopólio da EDA constitui não apenas um peso nos rendimentos da generalidade dos portugueses, mas também desincentiva á fixação de novas iniciativas na região, o que por sua vez se traduz também em menos oportunidades de emprego no setor e menos recursos. Assim, o novo Governo Regional deve repensar a sua abordagem ao mercado energético e torná-lo um fator de atratividade que traga mais recursos para a região. Neste sentido, deve proceder para separar a produção e a distribuição de energia nos Açores. No que concerne á distribuição, deve ser estabelecido um preço competitivo para a injeção de energia na rede pública. Deste modo, os produtores, incluindo pessoas singulares que produzem a sua própria energia, teriam um incentivo para se estabelecerem cá. E para reforçar a atratividade do mercado energético, o governo pode e deve proceder á criação CER’s, CCE’s e ZLT’s que numa primeira lógica poderiam levar ao desenvolvimento de mais iniciativas e ao reforço do tecido empresarial açoriano em geral.

Por outro lado, os consumidores do mercado regulado do país certamente que agradeceriam por não terem de pagar custos extra pelo seu consumo de energia, e os próprios açorianos teriam menos impostos a serem-lhes cobrados, visto que o financiamento da rede distribuição teria fontes diversificadas de investimento e não dependeria tanto dos impostos e apoios do Governo Regional. Já no que concerne á EDA, esta poderá permanecer no mercado, mas terá que ser privatizada e concorrer em pé de igualdade, eliminando-se o fator de concorrência desleal derivado do dinheiro da República que a EDA recebe de forma regular para financiar as suas atividades. Deste modo, formar-se-ia os contornos de um mercado mais liberalizado nos Açores.

Para concluir, uma reformulação da nossa estratégia energética com base nestes princípios tornaria a nossa infraestrutura mais eficaz e sustentável, além de libertar mais recursos do governo para a gestão e manutenção de projetos onde estas estratégias sejam mais difíceis de implementar, como na ilha do Corvo. Mas o derradeiro benefício para a generalidade dos açorianos será uma menor carga de impostos num dos principais setores da sociedade. E se o objetivo deste novo governo for realmente facilitar a vida aos açorianos, uma mudança de estratégia neste sentido é necessariamente do seu interesse.  

Talvez devido á instabilidade política dos últimos meses, poucas pessoas estejam atentas á evolução da transição energética. Mas apesar de tudo, convém mantermo-nos atentos á concretização e gestão dos nossos projetos, que hão de sobreviver a esta crise política e irão influenc…





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