José Gabriel Ávila

Contra as mentalidades “bulldozer”

13 de Março de 2023


Tenho seguido com interesse o protesto de muitos faialenses contra a descaracterização dos passeios da Avenida Marginal, apagando a memória dos tempos de um empreendimento que voltou a cidade para a excelente Baía da Horta.

Tinha sete/oito anos, quando foi à Horta pela primeira vez.

A  Avenida Eng. Arantes e Oliveira estava ainda em construção, mas recordo-me de, nesse dia, ter visto levantar da bacia interior um “Cliper – coisa nunca por mim imaginada -mas que fazia parte do quotidiano dos faialenses.

A capital do Distrito era uma cidade movimentada, para onde os picoenses convergiam para prosseguir estudos, encontrar trabalho, acederem a melhores cuidados de saúde e atingirem horizontes mais promissores para suas vidas.

Mais tarde, em finais de década de setenta, também eu e a minha família, lá encontrámos simpático e inesquecível acolhimento que perdura por força de raízes familiares e da ligação a antigos alunos que muito considero e me deixam orgulhoso pelas suas carreiras.

Esses tempos e relacionamentos perduram na minha memória, mais não seja porque, durante a minha permanência no Faial, integrei-me como se aí fosse nado e criado, o que me parece acontece a quem viveu na Ilha Azul.

Passaram, entretanto, muitos anos e eis-me a passear pelos passeios da Avenida Eng. Arantes e Oliveira, Ministro que, por influência do então Governador do Distrito, Dr. Freitas Pimentel, atendeu a muitas necessidades das populações do ex-Distrito da Horta. Sempre com o Pico em frente, mesmo encoberto por neblina que permitia sonhar com a outra margem.

Não me pronuncio de forma direta sobre a reivindicação de tantos faialenses, mas recordo semelhantes atitudes do outro lado do canal, na Vila Baleeira, iguais às que agora contestam muitos hortenses: os arranjos do piso em frente ao Museu dos Baleeiros tiveram o mesmo destino, sem que ninguém contestasse – o que é pior. Optou-se por um empedrado negro, sem quaisquer motivos alusivos à baleação, decisão que atenta contra a cultura daquele concelho.

Outro  exemplo de silenciamento da história e da cultura, foi o ter-se mandado apagar – como no tempo da censura – um mural frente à antiga Escola Secundária local com este belíssimo poema da autoria dos alunos: Ergue-te no alto da Montanha/ Segreda um sorriso ao Sol/ Sonha o mar no canto das ondas/ Abraça o vento e dança na proa da vida.

Este exemplo deixa-nos de sobreaviso para que tal não aconteça com as pinturas murais da Marina da Horta que deviam ter um estatuto jurídico e cultural que as salvaguardasse como património cultural não só do arquipélago, como da própria humanidade.

Não é aquele o melhor símbolo do atlantismo e do universalismo do Porto da Horta?

Só isso – e não me estou a desviar da questão que aqui me trouxe – devia levar e os faialenses a pugnarem por um Centro Interpretativo do Iatismo que projetasse a história da Ilha na riquíssima vertente naval, homenagem a João Carlos Fraga.

Se existisse essa instituição, a sua ação educativa teria levado a que os passeios da Avenida e os murais da Marina seriam ainda mais valorizados e salvaguardados das intempéries e do rodar dos anos, com motivos navais noutras calçadas e no próprio comércio citadino, como acontece, por exemplo na cidade de Évora.

Os direitos de intervenção cívica exigem uma atenção permanente a tudo o que nos pertence e identifica como povo.

Não se pode permitir que a mentalidade de bulldozers que cada vez mais se faz sentir no património construído impere e destrua a história coletiva, sob a invocação de efémeras vantagens económicas que se esvaem no fumo dos dias.

A cidade e a Baía da Horta merecem um olhar atento, para que nada se perca do seu modo de ser e estar no meio do Atlântico - porto de abrigo do farol altaneiro que é a ilha irmã do Pico.

José Gabriel Ávila

jornalista c.p. 239

Tenho seguido com interesse o protesto de muitos faialenses contra a descaracterização dos passeios da Avenida Marginal, apagando a memória dos tempos de um empreendimento que voltou a cidade para a excelente Baía da Horta.

Tinha sete/oito anos, quando foi à Horta pela primeira vez.

A  Avenida Eng. Arantes e Oliveira estava ainda em constr…





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