Carlos Frayão

Uma ausência difícil de compreender

09 de Março de 2023


Em 24 de Fevereiro p. p., dia em que se assinalou um ano sobre o início da invasão da Ucrânia, a Assembleia da República (AR) cumpriu um minuto de silêncio pelas vítimas da guerra.

Os deputados do PCP não participaram naquele acto.

Foi uma ausência que me desgostou porque quem não quis participar em tal homenagem, em memória de dezenas de milhares de vítimas mortais dos exércitos de ambos os lados e de milhares de vítimas civis ucranianas, e não quis expressar a sua solidariedade para com milhões de refugiados ou com os ucranianos que sobrevivem no seu país em condições desumanas, corre o risco de ser julgado desapiedado e insensível. 

E também fiquei desiludido porque ainda não há muito tempo o novo Secretário-Geral do PCP referia-se à guerra na Ucrânia em termos que me fizeram acreditar que o PCP poderia vir a assumir nesta matéria posições mais consentâneas com a ideologia do Partido, que reputo como a mais progressista e humanista que a História conheceu até hoje.

Afirmou, por exemplo, que as responsabilidades no processo que levou à invasão da Ucrânia não couberam só aos Estados Unidos, à NATO e à União Europeia, mas também à Rússia1, que a população ucraniana é a verdadeira vítima daquele conflito2, que o povo ucraniano acaba por ser um instrumento do conflito3  e que a linha política do PCP contra a instigação da guerra, a escalada armamentista e pela paz não significava que ele tivesse pedido aos ucranianos para deixarem de combater os russos4

Estas afirmações foram objectiva e publicamente desautorizadas pelo facto de os deputados do PCP não terem participado no minuto de silêncio na AR em homenagem às vítimas da guerra na Ucrânia.

O PCP não divulgou, que eu saiba, as razões da ausência dos seus deputados daquele acto.

Emitiu, porém, no mesmo dia, uma nota, na qual expressou, para além do mais, «a sua solidariedade para com as vítimas de uma guerra que dura há nove anos», tendo um deputado do PCP manifestado na AR, nessa tarde, igual posição.

Ora, se o PCP está – e eu não duvido que esteja – solidário com as vítimas da guerra na Ucrânia, não posso deixar de me interrogar sobre a razão pela qual os seus deputados não participaram, com os deputados dos outros partidos, no minuto de silêncio que a AR fez em homenagem a essas vítimas.

Tal razão não pode decorrer do facto de o PCP considerar (muito correctamente, aliás) que a actual guerra não começou há um ano com a invasão da Ucrânia pela Rússia, mas sim em 2014 com a guerra que se seguiu à declaração de independência, apoiada por Moscovo, das repúblicas separatistas de Donetsk e Lugansk, que causou, antes da invasão, 14.000 mortos.

É que os deputados do PCP podiam ter participado no minuto de silêncio na AR com esclarecimento público de que naquele acto homenageavam também as vítimas dos nove anos de guerra que precederam a invasão.

Não me parece outrossim que tal razão possa ser o facto de o PCP considerar que Zelenski «personifica um poder xenófobo, belicista e antidemocrático, rodeado e sustentado por forças de cariz fascista e nazi», conforme consta da nota à imprensa em que o PCP condenou a anunciada atribuição ao Presidente da Ucrânia da Ordem da Liberdade.

Com efeito, para além da artificialidade da tese – nunca claramente assumida mas perceptível nas entrelinhas – de que a «intervenção militar» da Rússia na Ucrânia não passou de uma escalada na guerra iniciada em 2014, dúvidas inexistem de que a Ucrânia foi brutal e amplamente invadida e ocupada pela Rússia, representando Zelensky, mesmo com os graves deficits democráticos do regime ucraniano e dele próprio, um povo e um país que travam uma legítima guerra de auto defesa.

Tal razão não pode, finalmente, ter a ver com a aspiração da Rússia de manter o estatuto de superpotência no confronto com o projecto de domínio hegemónico do imperialismo norte-americano, porque os interesses económicos e a ideologia que movem a Rússia também têm uma natureza exploradora e o seu imperialismo é tão agressivo e belicista como o dos EUA.

 

1 RTP, 13/11/2022.

2 Lusa e Público, 16/11/2022.

3 Observador, 13/11/2022.

4 SIC Notícias, Programa Cujo Nome Estamos Legalmente Impedidos de Dizer, 30/12/2022.

 

O autor não segue as regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990

Em 24 de Fevereiro p. p., dia em que se assinalou um ano sobre o início da invasão da Ucrânia, a Assembleia da República (AR) cumpriu um minuto de silêncio pelas vítimas da guerra.

Os deputados do PCP não participaram naquele acto.

Foi uma ausência que me desgostou porque quem não quis participar em tal homenagem, em me…





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