Jorge Moreira Leonardo

A Fé Perdida (III)

08 de Março de 2023


Chegou, finalmente, a hora do regresso. Mas se o José voltou são e escorreito do corpo, a sua alma vinha esfrangalhado pela vida dissoluta que levara nos últimos tempos em Angola. Vida dissoluta que continuou na sua Terra no que era acompanhado por colegas que tinham feito tropa em Angola como ele. Perdia as noites nas tabernas bebendo e jogando à batota e uma ou outra escapadela à cidade, principalmente aos fins de semana. O pai muitas vezes teve de ir para a lavoura sozinho e a Amélia o esperou em vão à janela. Mas, quando tudo parecia perdido, dois acontecimentos levaram o José a arrepiar caminho. Primeiro, foi o pai que, num dia que o José se levantou mais cedo, lhe disse que ia vender a lavoura, pois não podia tratar dela sozinho e ele, pelos vistos, não estava interessado. Segundo, foi a morte do futuro sogro, bastante novo ainda, que deixou a família com uma lavoura nas mãos sem saber que lhe fazer. Estes dois acontecimentos, de uma assentada, tiveram o condão de chamar o José à realidade e compreender que a vida que levava não podia continuar. A mãe, era raro dia que não lhe pregasse um sermão. Ademais, a junção das duas lavouras davam-lhe uma dimensão próxima da que imaginara quando, então, ainda criança.

Passados uns meses sobre a morte do sogro, cumprido o tempo de luto, acertou o casamento com a sua Amélia.

O José prontificou-se a fazer tudo quanto exige um casamento católico, mas fez notar à sua Amélia que não frequentaria a Igreja. No entanto, ela teria toda a liberdade para o fazer.         A vida do casal decorreu sem problemas de maior. Os pais respeitaram a decisão do José, mas quer sua mãe, quer a sua Amélia, não perdiam a Fé de ver o filho e marido voltar a ser um homem temente a Deus. Mais inconformada estava a sogra que não suportava ver a filha casada com um homem daqueles.

A lavoura prosperava e aproximava-se daquilo que ele pretendia, embora muitas vezes se confrontasse com a teimosia do pai que não era capaz de entender certas medidas que ele assumia.

O José tinha um cavalo de nome “Estrelo” que muito estimava, pois assistiu ao seu nascimento. Ainda recorda que, na noite em que ele nasceu, tinha ele, então, doze anos, embora a mãe o tenha mandado para a cama à hora habitual, ele levantou-se e passou a noite a olhar o recém-nascido. A mãe estranhou, no dia seguinte, vê-lo de olhos vermelhos, mas acreditou que ele não dormira a pensar no cavalito.

Um dia, quando se dirigia ao palheiro para atrelar o cavalo à carroça – a lavoura ainda não justificava uma carrinha – o pobre animal, estendido no chão, esperneava violentamente e tudo indicava, com dores fortes. Correu para o telefone e chamou o dr. Pimentel, veterinário, que fora seu tenente na tropa e lhe dera o seu número de telefone recomendando-lhe que lhe telefonasse sempre que precisasse dos seus serviços. No auge da aflição, o José implorou: - Venha depressa, sr. dr., por amor de Deus!

Chegou, finalmente, a hora do regresso. Mas se o José voltou são e escorreito do corpo, a sua alma vinha esfrangalhado pela vida dissoluta que levara nos últimos tempos em Angola. Vida dissoluta que continuou na sua Terra no que era acompanhado por colegas que tinham feito tropa em Angola como ele. Perdia as noites nas tabernas bebendo e jogando à batota e uma ou out…





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