Carlos Frayão

As contradições da «possível» candidatura de Gouveia e Melo

21 de Janeiro de 2025


Em Setembro de 2021, o Almirante Gouveia e Melo afirmou a sua indisponibilidade para a política, dizendo: «não sinto necessidade de dar o meu contributo enquanto político (…) porque não estou preparado para isso» e «acho que daria um péssimo político».1

Três meses depois reafirmou tal indisponibilidade, dizendo que esperava não se «deixar cair na tentação [da política]», tendo acrescentado: «se isso acontecer, dêem-me uma corda para me enforcar».2

Inopinadamente, porém, passados 13 dias, questionado ainda sobre a possibilidade de se candidatar a Presidente da República, Gouveia e Melo deixou a porta aberta a tal possibilidade com a seguinte resposta: «Não se deve dizer que dessa água não beberei».3

Passou a negar tal possibilidade, quase um ano e meio depois, a partir de 18.05.2023, em entrevista à Rádio Renascença, em que declarou: «não tenho a intenção no futuro de me candidatar a nada».

Sete meses depois, dizendo-se «indiferente» às sondagens que o colocavam no topo das intenções de voto, reiterou: «Eu já disse que não, espero que percebam o “não” e não insistam».4  

Em Setembro de 2024 mudou de novo de posição e fez saber que se recusava a «dizer que não» à hipótese de se candidatar a Belém5, tendo um canal de TV noticiado, 2 meses depois, que deverá apresentar a sua candidatura em finais do próximo mês de Março6, sem que o Almirante tenha, até hoje, desmentido a notícia.

Estas contradições, tão relevantes quão inábeis, na gestão que Gouveia e Melo tem feito da sua «possível» candidatura, confirmam plenamente, a meu ver, como foi acertada a avaliação que ele fez de si próprio quando se definiu como alguém que não está preparado para a política e que «daria um péssimo político»…

Percebo as diversas e legítimas razões político-tácticas pelas quais o Almirante pode ter pretendido, durante um certo período de tempo, que para o público passasse a mensagem de que era apenas um «possível» candidato.

Já não consigo compreender, senão à luz da sua impreparação política, o facto de, ao longo de três anos, ter negado e renegado essa possibilidade mais vezes do que aquelas em que a admitiu.

E não me venham dizer que pode ter sido Gouveia e Melo, ele próprio, a ter querido gerir uma candidatura «possível», mas bizarramente marcada por estas incoerências, para aumentar junto da opinião pública a incerteza da sua concretização e criar, assim, maiores expectativas sobre ela…

Na verdade, para obter tal efeito, não precisava, de todo, de ter reconhecido publicamente factos tão negativos para a sua credibilidade política, como o de que não está preparado para a política e o de que «daria um péssimo político», necessitando, ainda menos, de ter formulado o patético pedido de «dêem-me uma corda para me enforcar» se eu me «deixar cair na tentação [da política]»…

A hipótese da candidatura à Presidência da República de Gouveia e Melo foi lançada a partir de alguns órgãos da comunicação social, através de entrevistas que lhe foram feitas, apoiadas em sondagens, sobretudo no Expresso, na SIC Notícias e no Diário de Notícias.

No âmbito dessas entrevistas, foram-lhe, invariavelmente, repetidos e ampliados os habituais elogios à sua actuação à frente da Task Force do Plano de Vacinação contra a Covid-19. 

Qualquer homem tem o direito de mudar a opinião que tem ou que já teve sobre ele mesmo e sobre as suas competências, podendo fazê-lo por motivos diversos, inclusive pelo facto de a sua autoestima, afagada pelos outros, ter, entretanto, crescido (Gouveia e Melo, referindo-se à sua missão na Task Force do Plano de Vacinação, disse, porventura com razão, mas com pouca modéstia, «que não era qualquer militar que fazia aquilo»…).7  

Mas a autoestima de um homem, por mais elevada que seja, não pode obnubilar-lhe a visão ao ponto de ele não descortinar a diferença entre as qualidades do rigor, da disciplina, da capacidade de coordenação e do controlo de homens e de tarefas que lhe foram exigidas para o bom desempenho da sua missão de coordenador da Task Force do Plano de Vacinação e as qualidades, pelo menos, de sensibilidade, maleabilidade, experiência e clarividência políticas que são pressupostas pelo exercício de um cargo como o de Presidente da República, cuja natureza, para além do mais, é não-executiva.

Não me proponho tratar hoje desse tema, mas faço questão de transmitir aos leitores que discordo dos jornalistas, comentadores, articulistas e dirigentes políticos que sustentam que não se conhece suficientemente o pensamento político de Gouveia e Melo para se poder tomar, desde já, uma posição sobre o que poderá representar para a democracia a concretização da sua candidatura e, sobretudo, uma sua eventual eleição como Presidente da República.

 

1 Entrevista à Lusa em 04.09.2021.

2 Declarações em encontro organizado, em 02.12.2021, pelo International Club of Portugal.

3 Público de 16.12.2021.

4 SIC Notícias, 27.12.2023.

5 Agência Lusa/CNN Portugal.

6 SIC Notícias, 23.11.2024.

7 Jornal de Notícias, 05.12.2024.

Em Setembro de 2021, o Almirante Gouveia e Melo afirmou a sua indisponibilidade para a política, dizendo: «não sinto necessidade de dar o meu contributo enquanto político (…) porque não estou preparado para isso» e «acho que daria um péssimo político».1





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