Rui Gonçalves

Eles vivem noutro mundo

13 de Setembro de 2024


Sempre que o plenário dos deputados açorianos reúne na cidade da Horta, são bastos os episódios decadentes que irritam quem os vê e ouve. Aconteceu, mais uma vez esta semana.

Os deputados têm de um debate a conceção de um jogo de futebol. O que lhes interessa, no fim das contas, é, como eles próprios não se coíbem de dizer, “ganhar o debate”.

Deviam preocupar-se antes que fosse o povo, que os elege e lhes paga principescamente, a eles e ao seu pessoal, a sair vencedor.

Assistir, como eu assisti ontem, ao debate de um voto de protesto sobre atrasos consideráveis nos pagamentos de diárias a doentes deslocados, só não é deprimente porque a depressão é um problema de saúde muito sério para servir aqui de metáfora.

Em vez de se preocuparem com o problema, com a substância do assunto, essa sim, que interessa ao povo, deputados e membros do Governo divertem-se a discutir assuntos menores relacionados com as figuras regimentais, torpedeando-as a seu bel-prazer, com a complacência do presidente da Assembleia. Acusam-se mutuamente de má-fé, de jogadas por baixo da mesa, acusações sublinhadas por estrepitosos aplausos. Não aplaudem o resultado das suas boas deliberações finais mas o desempenho oratório, em muitos casos inferior, de cada um que consegue meter uma farpa mais fundo no outro.

Bom, mas isto fracamente já interessa muito pouco de tão visto que está. Foi assim ontem na discussão a que me estou a referir. Não cabe aqui detalhar o que se passou, até porque a mesma discussão pode ser revista na página oficial do Parlamento.

Em todo o caso vai um exemplo só para eu não ser acusado de não esclarecer os leitores, ou de não saber do que falo.

O Partido Socialista apresentou um Voto de Protesto pelo atraso nos pagamentos dos reembolsos das diárias aos doentes deslocados. Logo os deputados do lado do Governo se apressaram a acusar o PS de fugir ao debate por ter escolhido uma figura regimental, a do voto de protesto, uma vez que, nesse caso, o Governo não poderia usar da palavra, utilizando assim o seu direito ao contraditório. Até parece que o Governo não tem os deputados que o apoiam para desempenharem essa função.

Vai daí, do lado do Governo, os deputados começam a disparar que foi este Governo que aumentou o valor das diárias, tentando sair pela tangente ao problema que realmente estava em causa.

Convém perguntar: de que vale aumentar o valor da diária se o dinheiro não chega aos doentes? Era isso que estava em causa e que os deputados não conseguiram explicar.

Para que os meus estimados e pacientes leitores não digam que eu só estou a tratar de assuntos supérfluos vou mudar a agulha e referir-me, agora sim, a um debate mais substancial.

Ainda no dia de ontem, quando se tratava de apoios à cultura, o inefável deputado do Chega voltou a revelar-se com uma das suas tiradas.

Para José Pacheco ninguém deve depender de apoios públicos para levar a cabo as suas iniciativas. E não estava falando só de atividades culturais. Afirmou que se uma livraria não dá dinheiro deve fechar. O mesmo para os jornais, e por aí adiante. Já o ouvi dizer isto em relação às empresas.

Não quero perder mais tempo a dissertar sobre o valor da cultura e da atividade económica da iniciativa pública e privada. Deixo, mais uma vez e apenas, uma pergunta: considerará este distinto representante do povo que, nos Açores, devem ser encerradas as filarmónicas, extintas as explorações agro-pecuárias ou varados os navios da Atlânticoline?

Termino este já longo e maçador texto socorrendo-me de uma ideia que ouvi no programa Negócios da Semana de José Gomes Ferreira, jornalista da SIC notícias. Vou relatá-la de memória.

Participando no dito programa de debate, António Nogueira Leite, reconhecido economista português, explicou o seguinte. Os políticos não discutem o cerne das questões e não tomam as decisões mais corretas pela simples razão de que não o fazem para si. Quer dizer, não são eles os sujeitos mas sim os autores. Se decidissem para si, arcando com as consequências, decidiriam melhor.

É que eles vivem noutro mundo.

Sempre que o plenário dos deputados açorianos reúne na cidade da Horta, são bastos os episódios decadentes que irritam quem os vê e ouve. Aconteceu, mais uma vez esta semana.

Os deputados têm de um debate a conceção de um jogo de futebol. O que lhes interessa, no fim das contas, é, como eles próprios não s…





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