João Garcia

“Não se fazem omeletes, sem ovos”

01 de Agosto de 2024


A Semana do Mar é a mais emblemática e a mais antiga festividade profana dos Açores. A sua génese remonta a 1975, com a receção à Regata Internacional de Veleiros Portsmouth/Horta/Portsmouth, uma iniciativa do Clube Naval da Horta que rapidamente se transformou num acontecimento marcante e mobilizador para todos os jovens açorianos. Quem não se lembra dos enormes acampamentos no Monte da Guia, que juntavam jovens de todas as ilhas?

Desde o início, a Semana do Mar destacou-se pelos eventos náuticos, mas também pelos variados aspetos culturais e recreativos que oferecia: bailes, passeios turísticos pelas ilhas do Faial e do Pico. Eventos como a primeira Regata do Canal, concursos de pinturas no molhe da Doca, esculturas na areia, projeção de filmes e atuações de grupos folclóricos contribuíram para consolidar a Semana do Mar como um festival multifacetado e de grande importância regional e nacional.

No entanto, a Semana do Mar parece estar a perder a sua identidade náutica, desviando-se das suas origens e tornando-se apenas mais um festival de verão, sem nenhuma diferenciação clara de outros eventos semelhantes, que já incluem uma parte náutica significativa, como são exemplo as Sanjoaninas. Esta mudança de foco é preocupante, especialmente considerando que a essência da nossa festa maior está intrinsecamente ligada ao mar e às atividades náuticas, que são o coração, a alma e a motivação.

Um festival náutico de excelência deve celebrar e promover as tradições marítimas, a cultura local e a ligação profunda entre a comunidade e o mar.

Devemos apostar fortemente nas atividades náuticas e na sua internacionalização, mas também ser inovador e apresentar cartazes mais ambiciosos. Paralelamente, deveriam ser promovidas iniciativas de educação e sensibilização ambiental, workshops sobre conservação marinha e seminários sobre história e cultura marítima, retomando exposições com um foco direcionado para o mar.

A envolvência da comunidade é crucial para o sucesso e autenticidade de um festival deste tipo, para que a Semana do Mar recupere a sua essência e se destaque dos demais festivais. É necessário um planeamento atempado e estratégico que envolva todos os stakeholders; Clube Naval, Câmara Municipal, associações culturais/recreativas locais e os empresários do turismo e restauração. A criação de um programa diversificado, mas focado na temática náutica, com eventos bem publicitados e acessíveis ao público, é essencial. A promoção internacional do evento, destacando as suas características únicas, pode atrair não só velejadores e entusiastas de desportos náuticos, mas também turistas em busca de experiências autênticas.

É imperativo que a Semana do Mar se afirme novamente como um festival náutico de referência, não apenas nos Açores, mas também a nível internacional. Para isso, é necessário um regresso às suas raízes, valorizando o mar e as tradições marítimas e evitando a tentação de se diluir num festival genérico de verão. Apenas assim, a Semana do Mar poderá continuar a ser um evento mobilizador, que orgulha e envolve toda a comunidade faialense, atraindo visitantes de todo o mundo que procuram celebrar a cultura náutica e o espírito acolhedor da Horta.

Devemos retomar o Festival Internacional de Vela Ligeira, captar uma prova internacional de fotografia subaquática, projetar o I Encontro de Barcos Tradicionais de Portugal, encontrar formas de motivar os inúmeros iatistas a participar nas diferentes provas de vela de cruzeiro, bem como retomar provas emblemáticas e dar-lhes um novo impulso.  Retomar os Jogos de Água e ter o cuidado de não dispersar a vertente náutica da zona do Clube Naval da Horta, nem encher o programa da Semana do Mar com provas desportivas que nada têm a ver com o mar, pois isso descaracteriza a essência do festival náutico.

Além disto, devem convidar-se bandas, grupos musicais e de folclore das cidades com quem temos uma relação marítima, como Les Sables d'Olonne, Portsmouth, Concarneau, New Bedford, assim como muitas outras que integram a comunidade das “Mais Belas Baías do Mundo”, e  sem esquecer também as principais cidades da Macaronésia.

Devemos alterar o figurino do Festival Gastronómico, convidando restaurantes destas cidades, sendo essencial que o nosso peixe e moluscos sejam as atrações principais. O Festival Gastronómico deve estender-se a toda a ilha e envolver todos os restaurantes, com um denominador comum: “Festival Gastronómico do Mar”.

Por outro lado, temos de ter espetáculos que tenham origem no mar, por exemplo, "Sliding Slope" de Hellend Vlak, que faz uma reflexão sobre as ameaças climáticas, e muitos outros em que o mar é a origem, aproveitando a bacia do Cais Norte, estabelecendo para isso uma parceria e contatos com os organizadores do Festival Maravilha e da Associação MUMA.

Para que tudo isso aconteça, é determinante um planeamento muito atempado, a par com investimento ajustado às apostas mencionadas, pois com o atual orçamento não é possível ao Clube Naval fazer mais do que faz.

O Festival Náutico da Semana do Mar foi considerado de utilidade pública e muito bem pelo Governo dos Açores. É importante que as dezenas de voluntários possam estar disponíveis para dar o seu contributo, situação que nos últimos anos tem sido um sério entrave. Para além disso, será importante criar infraestruturas de apoio adequadas, alojamento para desportistas náuticos, com a criação de um Centro de Estágio para Velejadores e outros desportistas, bem como um acesso à água fácil e seguro no Porto da Horta, o que não acontece hoje.

Podemos desejar que a Semana do Mar seja o melhor e maior festival náutico do país, mas para isso é necessário que a Câmara Municipal e o Clube Naval da Horta trabalhem conjuntamente. Não pode haver uma divisão entre o mar e a terra; ambos devem estar em harmonia. Além disso, o site da Semana do Mar não pode anunciar apenas as atividades terrestres. Sem um maior investimento humano e financeiro, não é possível crescer. Temos assistido a um enorme investimento nos concertos em contraciclo com o desinvestimento crescente no Festival Náutico. Como diz o povo, e sabiamente; “Não se fazem omeletes, sem ovos”.

Votos de uma boa festa e de bons ventos!

A Semana do Mar é a mais emblemática e a mais antiga festividade profana dos Açores. A sua génese remonta a 1975, com a receção à Regata Internacional de Veleiros Portsmouth/Horta/Portsmouth, uma iniciativa do Clube Naval da Horta que rapidamente se transformou num acontecimento marcante e mobilizador para todos os jovens açorianos. Quem n…





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