Ficou, de imediato, enfeitiçado pela sua beleza de tal sorte que, a partir daquele momento, não teve tino para mais nada e até começou a negligenciar os seus negócios, o que só não provocou estragos irreparáveis porque a dedicação dos leais e experientes colaboradores - que seu pai, à hora da morte, lhe recomendara que mantivesse consigo - iam compensando os seus desvarios. Sempre que vislumbrava a sua amada, lá abandonava tudo só pelo prazer de a ver. Por vezes, tinha a sensação de que ela também o olhava com algum interesse, mas depressa concluía que tudo mais não era do que fruto da sua imaginação de jovem apaixonado.
Guilherme, ele também um belo moço, era bastante requestado pela moças da sua condição social, e, por mais de uma vez, já se julgara apaixonado. Mas esse sentimento, como verdadeiro fogo de palha, extinguia-se quase quando ainda mal nascera. Só que, finalmente, percebia de forma bem clara porquê. É que o estado de alma que ele experimentava agora nunca havia conhecido dantes, disso não tinha a menor dúvida. E logo haveria de surgir perante algo de inatingível. Porque, embora os sinais de alguma correspondência que ele julgava ver na atitude dela fossem verdadeiros, como convencer os pais a consentirem no casamento da filha com um homem que não possuía no seu sangue uma única gota de nobreza? Ciente desse facto, bem que tentava afastar de si aquela paixão que o vinha consumindo, mas já percebera que isso jamais seria possível. Nem por um momento deixava de pensar nela. Passava longas noites sem dormir o que lhe roubava as energias tão necessárias para dirigir os seus negócios.
Imagine-se, pois, a sua felicidade quando, certo dia, uma serviçal do palacete, o procurou a mando da menina dizendo-lhe que o seu amor era correspondido e até trazia a incumbência de acertar um encontro entre os dois, o que só podia acontecer à noite e no mais absoluto segredo pois, caso os pais viessem a saber, eram capazes de tomar atitudes da maior severidade, até porque a filha já estava prometida em casamento ao filho de uns fidalgos da mais fina linhagem. Guilherme, de tão eufórico, levou a mão ao bolso e entregou à serviçal todas as moedas que tinha consigo.
As horas que teve de esperar até ao anoitecer, foram mais longas do que séculos. Quando, finalmente, chegou a hora aprazada, dirigiu-se ao local que lhe fora indicado, transportando consigo toda a Felicidade do Mundo. Violante, assim se chamava, aguardava-o, igualmente emocionada, enquanto a serviçal vigiava, fiel como um cão de guarda.
Os encontros sucederam-se e até entraram em rotina de tal sorte que, com quase total serenidade, já retomara a direcção dos seus negócios o que foi um grande alívio para os seus mais directos colaboradores que andavam seriamente preocupados.
Porém, a felicidade de que usufruíam, pela reciprocidade no amor, não afastava um pesadelo que pairava sobre eles: como obter o consentimento dos pais? Os acontecimentos, no entanto, haviam de precipitar-se e pela forma mais trágica.
Um dia, estava Guilherme no seu escritório, viu entrar Violante, na companhia da serviçal. Ainda esboçou uma atitude de alegria, de imediato extinta, pois nos rostos de uma e outra eram evidentes os sinais de terem vivido um tremendo drama. Assim fora de facto. O seu amor fora descoberto por denúncia de outra criada que, assim, pretendia obter as boas graças dos seus senhores. O pai até estaria disposto a esquecer a leviandade da filha, mais pelo interesse de a ver casada com o fidalgo do que por qualquer sentimento de amor ou compreensão mas, perante a sua obstinação em não querer casar com o seu prometido, expulsou-a de casa mais à criada que acobertara os encontros.
Guilherme ficou deveras embaraçado com a situação. Habituado, porém, desde muito novo a tomar decisões, depressa encontrou uma solução, até porque não queria prolongar a angústia da sua amada.
Tinha um tio, irmão de sua mãe, abastado lavrador de Santarém, casado, mas sem filhos e que nutria grande amor pelo sobrinho. Nessa mesma tarde meteu-se no seu coche com Violante e a criada e rumou a casa do tio. Não que faltassem acomodações na sua bela casa para as albergar com todo o conforto, mas queria fazer tudo de maneira a não dar lugar à maledicência do povo e ao mesmo tempo protegê-la da família.
Após uma longa e angustiante viagem - embora com pernoita a meio - em que, a todo o momento, receavam ser interceptados, chegaram a casa do tio que os recebeu com grande alegria e os tranquilizou quanto ao bem estar e segurança de todos.
O casamento realizou-se um mês depois, com a maior descrição, numa igreja de Santarém, e Violante, como se de uma verdadeira filha se tratasse, foi conduzida ao altar pelo braço do tio do noivo. Guilherme ainda demorou quinze dias em lua de mel naquela cidade escalabitana, findos os quais regressou a Aveiro para concretizar o plano que entretanto arquitectara.