Fiquei indignado, mas não surpreendido, pelo facto de a Assembleia da República (AR) ter aprovado, que vai passar a comemorar com uma sessão solene anual o 25 de Novembro, com os votos favoráveis do PSD, do Chega (CH), da IL e do CDS, com os votos contra do PS, do BE, do PCP e do Livre e com a abstenção do PAN.
O autor da proposta, o CDS, não me surpreendeu: os seus fundadores eram simpatizantes e colaboradores do Estado Novo e Marcelo Caetano, nas suas cartas do exílio, deixou-o claro, dizendo, em 1977, que Freitas do Amaral «era devoto de Salazar [e] amigo do Presidente Tomás» e que «no desgraçado panorama da política portuguesa actual não há melhor» do que o CDS…
Os antecedentes do PSD também indiciavam a sua posição: os seus fundadores (Sá Carneiro, Pinto Balsemão e Magalhães Mota), acreditando nas pseudo-intenções de liberalização de Marcelo Caetano e convencidos de que a ditadura podia ser reformada e democratizada por dentro, pela obtenção gradual de direitos e liberdades, aceitaram em 1969, com outras personalidades (v. g. Mota Amaral e Miller Guerra), integrar as listas de deputados do partido único do regime fascista, a Acção Nacional Popular (ANP), formando a chamada Ala Liberal da ANP, que abandonaram, desiludidos, em 1973.
Não sei se os fundadores e primeiros dirigentes do PSD retiraram as devidas lições da sua (ingénua ou aquiescente?...) política de “oposição” e se chegaram a perceber que o fascismo só poderia ser debilitado e isolado, como foi, pela luta dos democratas e do povo português e que só poderia ser derrubado, como foi, pelas armas, com o apoio do povo…
Certo é que o PSD, apesar das suas declarações programáticas iniciais de apoio ao «socialismo», encarou desde a primeira hora com desconfiança e com hostilidade o processo revolucionário e as suas conquistas sociais e económicas, sobretudo as nacionalizações e a reforma agrária…
Julgo que nunca ouvi deputados do PSD explicarem porque é que não põem um cravo na lapela nas sessões do 25 de Abril na AR ou porque é que não participam na manifestação em que anualmente desfilam, na Avenida da Liberdade, militares de Abril, associações, sindicatos, partidos e milhares de portugueses…
Pode questionar-se porque é que o PSD e o CDS, tendo já disposto de cinco maiorias parlamentares absolutas, só agora aprovaram a comemoração anual do 25 de Novembro na AR…
A primeira explicação, creio, é que o PSD e o CDS estão a tentar evitar ser demasiado ultrapassados, à direita, pelo CH, sob pena de este lhes poder continuar a roubar eleitores…
Por outro lado, vivemos o tempo dos chamados «factos alternativos», que se presta a grosseiras falsificações, que o PSD, o CH, o CDS – e, pelos vistos, também a IL – querem aproveitar para reescrever a História.
Ocultando, por exemplo, que as nacionalizações foram instrumentos indispensáveis do combate à sabotagem da economia nacional pelos banqueiros e grandes empresários e que a reforma agrária começou com as ocupações de terras com que os assalariados agrícolas responderam à recusa de trabalho e de pagamento de salários, bem como ao abandono dos gados, das culturas e dos equipamentos, pelos latifundiários.
Ou fazendo alastrar o embuste de que a revolução, depois de Março de 1975, visava a instauração de uma ditadura de extrema-esquerda, o que é cabalmente desmentido quer pelo facto de as diversas facções do MFA, bem como os partidos políticos representados nos Governos Provisórios, sempre terem querido promover, como, efectivamente, promoveram, eleições livres e democráticas para a Assembleia Constituinte em 25/04/1975 e para a AR em 25/04/1976, quer pelo facto de a democracia nascida em 25 de Abril é que ter estado, ela sim, ameaçada, desde o seu início, por sucessivas tentativas de subversão, como o golpe Palma Carlos, em Julho de 1974, a convocação da «maioria silenciosa» de 28/09/1974 e o ataque ao RALIS de 11/03/1975.
Ou disseminando a mistificação de que o 25 de Novembro foi um contra-golpe dos militares moderados de resposta a uma tentativa de golpe da extrema-esquerda militar dirigida pelos comunistas, quando está testemunhado e documentado que se tratou de um golpe militar contra-revolucionário, sobre o qual um deputado sublinhou que «toda a actuação do PCP (…) foi no sentido de encontrar uma solução política para a crise que o país atravessava que evitasse uma guerra civil e que [o] mantivesse (…) no caminho aberto pela Revolução de Abril».[1]
Detalharei, se puder, tais testemunhos e documentação em data próxima do 25 de Novembro, na qual, previsivelmente, o debate sobre o tema estará mais vivo…
[1] António Filipe em intervenção, em 11/06/2024, na AR.