Desde o dia em que António Costa pediu a demissão do cargo de Primeiro-Ministro e o Presidente da República a aceitou (quase) toda a gente passou a dizer que Portugal entrou numa crise política.
No entanto, esta crise – que é política, mas também é económica e social – existe e vem-se avolumando há 1 ano e 8 meses, ou seja, desde que o 3º Governo de António Costa tomou posse, em 30/03/2022.
Este Governo revelou, com efeito, desde o início, que era instável e que uma boa parte dos seus membros era medíocre e incompetente: a primeira demissão no Executivo ocorreu 32 dias após a respectiva tomada de posse e seguiram-se-lhe muitas outras, que perfizeram, até 7 de Novembro passado, 11 (onze!...) demissões de Ministros e de Secretários de Estado, por razões quase sempre pouco edificantes, entremeadas com múltiplos e obscuros «casos e casinhos» de outros governantes que o Primeiro-Ministro, teimosa e arrogantemente, manteve nos seus cargos.
Em 20 meses este Governo não solucionou – até piorou – os mais graves problemas sociais que afligem os portugueses: o SNS tem 1.600 milhões de portugueses sem médico de família e cada vez mais serviços hospitalares estão constrangidos ou caminham para encerrarem; no Ensino Público há dezenas de milhares de alunos sem professores e um número crescente de docentes sem habilitação profissional; na Justiça subsiste o défice de cerca de mil funcionários judiciais; e na habitação o compromisso governamental de entregar 26.000 casas a famílias carenciadas até 2024 não será, definitivamente, cumprido.
Apesar de dispor de um excedente orçamental de mais de 2 mil milhões de euros, este Governo recusou-se a aplicar uma parte dele na atenuação dos problemas decorrentes da degradação dos serviços públicos essenciais e da insuficiência do investimento público e para tal invocou a política das contas certas, com a qual subordina a redução do défice e da dívida portugueses a metas e a ritmos muito superiores aos das políticas praticadas com o mesmo objectivo pela generalidade dos países da U. E..
António Costa, com a maioria absoluta com que contava na AR e com o PSD a mostrar-se incapaz de ser alternativa ao Governo, confiava em que completaria o seu mandato com o PS, senão eleitoralmente reforçado, pelo menos estabilizado, à custa dos milhares de milhões de euros de que dispunha para gastar no âmbito do PRR…
Foi confrontado, porém, com a instauração a pessoas muito próximas dele – como Vítor Ascária, seu Chefe de Gabinete, e Lacerda Machado, o seu «melhor amigo», o seu homem de confiança e o seu negociador de dossiers governamentais mais delicados – de processos-crime por «factos susceptíveis de constituir crimes de prevaricação, de corrupção activa e passiva de titular de cargo político e de tráfico de influência» e foi surpreendido pela instauração a ele próprio, António Costa, de um processo no Supremo Tribunal de Justiça com base na «invocação por suspeitos do nome e da autoridade do Primeiro-Ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos» objecto daqueles processos-crime.
António Costa não estava legalmente obrigado a fazê-lo, mas procedeu bem ao pedir a sua demissão com o fundamento de que a função que ele exerce «não é compatível com um juízo de suspeição».
Admito que possa ter tido outras razões para o fazer, como a de não ignorar que a actividade de lobbying – a que Lacerda Machado se dedica, em representação de empresas privadas e de gabinetes governamentais – é ilegal em Portugal, confundindo-se, assim, com práticas que o Código Penal tipifica como crime de tráfico de influências…
Neste contexto, a afirmação que António Costa fez na sua comunicação ao país de 11/11/2023 de que é «perigosa (…) a ideia de que os governantes não devem agir para atrair investimento para o país» corre, a meu ver, o risco de poder ser interpretada como uma tentativa hábil de desculpabilização da dita actividade de lobbying…
Acho bem que ninguém esteja acima da lei e que o Ministério Público – mesmo cometendo erros, que os juízes de instrução e de julgamento colmatarão – continue a dispor da autonomia e dos poderes necessários para investigar os suspeitos da prática de ilícitos criminais, sejam eles quem forem.