Carlos Frayão

O princípio poluidor-pagador não é amigo do ambiente

21 de Setembro de 2023


A Assembleia Legislativa Regional aprovou em 14/07/2023 o Decreto Legislativo Regional (DLR) nº 33/2023/A que instituiu uma ecotaxa marítima, no valor de 3 €, para ser cobrada às empresas de turismo de cruzeiro por cada passageiro sem domicílio fiscal na Região,  que, a partir de 01/01/2025, desembarque de navios em escala nos portos açorianos.

Este DLR alega que se verifica «uma incontestável tendência para o crescimento na Região» do sector turístico dos cruzeiros, que o mesmo é «uma fonte de poluição aérea, marítima e terrestre com impacto nos habitats, áreas e espécies vulneráveis e uma fonte potencial de riscos para o bem-estar da saúde humana, animal e ambiental» e que é «urgente a criação e aplicação de um tributo com carácter ambiental para atenuar as externalidades negativas, produzidas pelos visitantes marítimos oriundos do exterior da Região».

E ilustra o impacto de tal poluição com «o facto de um navio de cruzeiro que transporte 2.700 passageiros poder produzir uma tonelada de resíduos por dia e ter uma pegada de carbono superior a 12 mil automóveis».

Não questiono a dramática urgência de serem postas em prática políticas que iniciem uma efectiva e gradual redução dos impactos ambientais negativos não só dos cruzeiros de turismo mas de todos os transportes (marítimos, terrestres e aéreos) e de todas as actuais produções agrícola e industrial e ofertas de serviços, tal como hoje se processam.

O que me preocupa é o facto de o regime daquele DLR se ter inspirado no princípio poluidor-pagador – que, concebido no âmbito da OCDE em 1982, tem sido apresentado, designadamente na UE, como o pilar de uma proclamada nova economia verde – segundo o qual as empresas são responsáveis pelos danos ambientais que causam, devem tomar medidas de prevenção e reparação desses danos e suportar os respectivos custos.

As políticas inspiradas no princípio poluidor-pagador nunca foram amigas do ambiente porque jamais se propuseram acabar com (ou, sequer, limitar) a verdadeira causa das alterações climáticas: a política dos chamados países desenvolvidos cujos grupos económicos procuram de forma incessante e desenfreada o lucro, que os respectivos governos baptizam, eufemisticamente, de políticas de crescimento…

E tais políticas jamais conseguiram prevenir ou acautelar os catastróficos danos ambientais que nas últimas dezenas de anos se têm verificado em todo o planeta, assim como não lograram, por força da diversificação e do alcance cada vez mais vastos das suas consequências, repará-los e ressarcir os povos e os países por eles lesados…

Acresce que, sendo interpretado, desde as suas origens, por muitos – entre os quais me incluo – como significando que as empresas podem poluir desde que paguem, o princípio poluidor-pagador teve, nos últimos 20 anos, uma evolução que hoje não permite que ele seja entendido senão como uma regra segundo a qual as empresas e os países podem comprar o direito de poluir

Com efeito, na sequência da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, em 1992, mas sobretudo depois de 1997, foram criados em diversos países os chamados mercados do carbono, ou seja, os mercados onde se transacionam os créditos do carbono, que são activos financeiros que se podem comprar e vender, como qualquer mercadoria, nos quais se compram licenças para poluir e se podem auferir lucros, vendendo-as.

O mais importante mercado do carbono é o europeu, chama-se Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CELE) e nele a obtenção de créditos do carbono, em regra através de leilões, corresponde a uma autorização para as empresas ou os países emitirem gases com efeitos de estufa (GEE) até um determinado limite, sucedendo, porém, que tais empresas ou países podem ultrapassar esse limite desde que comprem mais créditos do carbono, assim como podem, no caso de não atingirem o dito limite, vender os seus créditos a outras empresas ou países.

O escandaloso negócio dos créditos do carbono tem sido responsável pelo aumento das emissões de GEE nos últimos anos na Europa, inclusive em Portugal.

Ele prova que o sistema capitalista é incapaz de enfrentar o problema das alterações climáticas e que a luta contra elas é inseparável da luta contra aquele sistema. 

 

O autor não segue as regras do Acordo Ortográfico

da Língua Portuguesa de 1990

A Assembleia Legislativa Regional aprovou em 14/07/2023 o Decreto Legislativo Regional (DLR) nº 33/2023/A que instituiu uma ecotaxa marítima, no valor de 3 €, para ser cobrada às empresas de turismo de cruzeiro por cada passageiro sem domicílio fiscal na Região,  que, a partir de 01/01/2025, desembarque de navios em escala nos portos açorianos.<…





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