Nos últimos meses o Governo Regional tem acusado o Governo da República (GRep) de não cumprir as suas obrigações para com a Região.
Tem-no acusado de adiar a abertura do concurso para as Obrigações de Serviço Público (OSP) no âmbito das ligações aéreas não liberalizadas Horta/Lisboa, Pico/Lisboa, Santa Maria/Lisboa e Funchal/Ponta Delgada, em consequência do que a Azores Airlines tem sido obrigada a assegurá-las com prejuízo, embora o Orçamento do Estado (OE) para 2023 preveja uma comparticipação de 10 milhões € para o efeito.
Também o tem acusado de não honrar os compromissos que assumiu na reconstrução do porto das Lajes das Flores, destruído pelo furacão Lorenzo – com o que forçou a empresa Portos dos Açores, S. A. a contrair um empréstimo de 60 milhões € para a obra não parar – e de não cumprir o contrato-programa de reforço do financiamento da Universidade dos Açores que desde 2020 prevê que a mesma receba uma transferência anual de 1,2 milhões € para compensação dos seus custos de insularidade e tripolaridade.
É condenável o incumprimento pelo GRep das suas obrigações para com a Região, que, para além de ser uma das mais pobres do país, tem os problemas específicos decorrentes da sua insularidade e da sua localização ultraperiférica.
Mas este incumprimento pelo GRep das suas obrigações para com a Região não é muito diferente do incumprimento, que também se verifica, das obrigações do GRep para com o País…
Vejamos: sobre o GRep recaem deveres impostos pela Constituição, tais como os de garantir «um serviço nacional de saúde universal e geral», de «assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito», de efectivar o direito de todos «a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável» e de promover «a construção de habitações económicas e sociais»…
No entanto, é público e notório que o actual GRep tem desvalorizado as carreiras e os vencimentos dos profissionais de saúde e dos docentes a ponto de fazer com que um número crescente de médicos abandone o SNS para trabalhar nos hospitais privados e com que faltem cada vez mais professores para leccionar certas disciplinas, tem desprezado o pedido dos funcionários judiciais para serem abertos concursos para o preenchimento de lugares vagos que permitam aos tribunais funcionarem regularmente e não inclui no Pacote Mais Habitação um só projecto de construção de habitação social…
Há quem justifique o incumprimento destes deveres do GRep com a política das «contas certas»…
Aceito que o défice orçamental e a dívida pública devem ser contidos dentro de certos limites, mas tal objectivo não pode ser alcançado à custa da eliminação do investimento público e do constrangimento da oferta de serviços e de bens públicos essenciais.
O que se passa é que o actual GRep vem adoptando políticas cada vez mais anti-sociais e menos solidárias.
Alguns dos meios de que o GRep se serve para se subtrair ao cumprimento das suas obrigações para com a Região são iguais aos que usa para o fazer o mesmo ao País: inscreve no OE as receitas e depois cativa-as e não as executa ou só as executa em parte.
Teve razão, assim, o governante regional que, referindo-se à comparticipação do Estado nas OSP nas ligações aéreas, disse que «colocar essa compensação no Orçamento do Estado e depois não aplicá-la é enganar os açorianos».1
É certo que o inefável Ministro Medina anunciou que o OE de 2024 não terá cativações, mas ressalvou que as verbas que nele estarão disponíveis serão «construídas com o realismo do que é a execução dos anos anteriores»2, o que parece augurar que vão continuar a ser más as notícias sobre o financiamento do investimento público e dos serviços públicos em Portugal…
Seria razoável prever, atenta a similitude política e ideológica do PS e do PSD, que um hipotético futuro GRep do PSD, com ou sem o apoio da IL e do Chega, trataria a Região e o País da mesma forma que o actual GRep os está a tratar…
Mas, sendo tal previsão uma mera conjectura, ela não isenta o actual GRep de cumprir as suas obrigações para com a Região e para com o País…
1 Secretário Regional das Finanças, Planeamento e Administração Pública (Lusa, 19.04.2023).
2 Expresso, 25.07.2023.
O autor não segue as regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990