Maria Gabriela Castro

“Bons Dias” anuncia perigo eminente

11 de Agosto de 2023


Não sou botânica nem muito menos especialista em combater plantas invasoras. Sou açoriana por nascimento, já fui emigrante e regressante, e neste momento, apenas e só, uma turista que passou pela ilha do Faial. Nesta ilha, passei três anos da minha juventude que deixaram recordações e a lembrança de como era a paisagem faialense há 55 anos.

Nestes casos, em que a imaginação sempre acrescenta qualquer coisa, mais do que aquilo que deveras recordamos do real, a verdade é que ela não pode ser a desculpa para se olhar e não ver o que de novo a paisagem tem.

Entre arvoredo formado por cedros do mato (Zimbro-Siaram), faias (Faia Morella faya, pau branco (Picconia azorica), de entre muitas outras endémicas das ilhas da Macaronésia, passeei pela ilha do Faial na apreciação e fruição de uma natureza que teima em manter-se multi-verdejante e tenazmente resistente, apesar de todas as intempéries que assolam as ilhas dos Açores e, principalmente, da grande proliferação de plantas invasoras que ameaçam fortemente a preservação do belíssimo arvoredo que o Faial possui, graças ao seu Plano Florestal.

A Secretaria Regional da Agricultura e Ambiente, pela Direção Regional dos Recursos Florestais, do Governo dos Açores, publicou, em Julho de 2014, a Estratégia Florestal dos Açores, iniciando a sua Introdução, com a seguinte afirmação:

“A floresta constitui um elemento marcante e estruturante da paisagem açoriana, ocupando cerca de um terço do território terrestre insular da Região Autónoma dos Açores. Para além desta marca de identidade, é unanimemente reconhecido que o sector florestal local tem uma importância económica considerável e um potencial de expansão enorme, devendo assumir nestas ilhas, onde é vital estabelecer compromissos duradouros entre a exploração e a preservação dos recursos, um papel determinante no ordenamento do território.”

Nos Açores existem diferentes projetos de execução de proteção da Orla Costeira, em diversas ilhas, e o Plano Regional de Erradicação e Controlo de Espécies de Flora Invasoras em Áreas Sensíveis, (PRECEFIAS), da Direção Regional do Ambiente, previa as datas entre 2003 e 2008 para a sua realização, podendo ler-se no seu enquadramento:

“A flora natural dos Açores pode ser considerada como um “fóssil vivo”. Em tempos, dominante no Sul da Europa e Norte de África, desapareceu, parcialmente, devido às últimas glaciações. Actualmente, esta flora encontra-se ameaçada devido a vários factores, sendo um dos mais importantes, a invasão pelas espécies exóticas.”

Viajar, à volta da ilha do Faial, é constatar que uma coisa são as palavras e os estudos feitos e publicados, e outra, o facto de grande parte das suas matas estarem seriamente ameaçadas, em especial pelas seguintes espécies invasoras: trepadeira Bons Dias  (Ipomea); lantana camara (silvado do inferno), e conteira, roca-davelha, jarroca, (Hedychium gardnerianum).

Neste contexto, e tendo por base os seus estudos, a investigadora Lurdes Silva afirmava e questionava, em entrevista à jornalista Carlota Pimentel, em 2022, publicada no jornal Correio dos Açores: “Não vemos que as plantas invasoras sejam controladas e monitorizadas nos Açores” (…)  O que foi feito pelos últimos governos regionais, relativamente à ameaça das plantas invasoras?”

Ora, a Região Autónoma dos Açores tem, como referimos, um Plano de Erradicação de Plantas Invasoras onde se encontra prescrito quais os procedimentos necessários para a defesa dos seus recursos florestais.  No entanto, esses processos parecem não ter sido efetivos. Na realidade, não vemos que as plantas invasoras estejam a ser controladas e monitorizadas. Pode haver uma tentativa de colocar os procedimentos recomendados em prática, mas, parece não ser fácil. Será que a própria legislação, muitas vezes, seja um fator impeditivo? É que, a olho nú, pouco tem sido feito para se passar das palavras à ação. Aliás a viagem da Horta para os Cedros é bem o exemplo do que afirmámos. A trepadeira Bons Dias está de tal modo espalhada que em alguns lugares as copas das árvores encontram-se cobertas de azul roxo, cor específica das flores dessa planta.

Daqui lançamos o alerta perguntando: será que no Faial ainda se vai a tempo de erradicar a Bons Dias? É que se por um lado a paisagem fica lindíssima com o azul-arroxeado das suas flores, a realidade é que a Bons Dias, ao trepar às copas da vegetação endémica como faias, pau branco e o cedro do mato, espécies legalmente protegidas, provoca a asfixia das mesmas levando-as a um perigo eminente, a morte.

Na apresentação do projecto Guia do Educador Pré-escolar, 1.º ciclo e 2.º ciclo, da Life Vidália, projeto cofinanciado pelo programa LIFE da EU, pode ler-se que:

“Ipomoea indica bons-dias É uma trepadeira invasora muito agressiva e de difícil controlo, sendo capaz de invadir até as árvores mais altas da floresta. O seu nome comum faz menção às flores, que abrem pela manhã e fecham com o anoitecer. O seu nome científico revela a sua proximidade à espécie Ipomoea batatas, muito conhecida nos Açores como batata-doce.”(pg24)

A verdade é que estamos em 2023 e a Bons Dias é uma das espécies de flora invasora que prolifera ao longo de todo o matagal existente na ilha do Faial. Não me refiro às outras ilhas pois não consigo testemunhar o que aqui escrevo por ausência da minha presença nas mesmas, mas no Faial a triste realidade está aí para locais e turistas verem.

Parece-nos que a autonomia dos Açores ainda confere poderes ao Governo dos Açores para passar das palavras, dos planos e dos projetos bem organizados e arquitetados, para uma ação eficaz e radical de modo a que as nossas matas possam ser salvas e os termos do Plano Regional de Erradicação e Controlo de Espécies de Flora Invasoras em Áreas Sensíveis, (PRECEFIAS), encontre a sua realização efetiva.

Não sou botânica nem muito menos especialista em combater plantas invasoras. Sou açoriana por nascimento, já fui emigrante e regressante, e neste momento, apenas e só, uma turista que passou pela ilha do Faial. Nesta ilha, passei três anos da minha juventude que deixaram recordações e a lembrança de como era a paisagem faialense h&aac…





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