Jorge Moreira Leonardo

O Crime da Rua Direita (VII)

02 de Junho de 2023


Ao passar pela Praça Velha, olhou em direcção a um banco onde se encontravam uns quantos ricaços conhecidos por se dedicarem à usura e no meio deles o agiota que lhes servia de intermediário no sujo negócio. Bateu com a mão na testa. Era isso! O seu suspeito estava nas mãos de agiotas. Pois foi exactamente com aquele rele sujeitinho que ele o surpreendeu na tal cena que lhe causou alguma suspeição.

Entrou no escritório da empresa e pediu para falar ao gerente, mas este não estava presente. No entanto o contabilista - que interinamente estava ocupando o lugar da vítima - prontificou-se a atendê-lo no que ele julgasse necessário. Disse que apenas queria dar uma vista de olhos para esclarecer algumas dúvidas. Começou por observar as fechaduras. Por dentro só podiam ser movimentadas usando as taramelas, como já fora verificado na noite do crime. Quando estas estavam na posição vertical, as linguetas estavam recolhidas. Fazendo-as girar sempre para a direita, verificava-se o seguinte: quando atingissem a posição horizontal, saíam as metades das linguetas; quando, completada a volta, voltassem à posição vertical, saíam as outras metades. No batente, onde estavam instalados os encaixes das linguetas, havia dois fechos na posição vertical dos quais um encaixava num arco de metal aparafusado na bandeira superior da porta e outro num buraco no chão. No outro batente encontravam-se as fechaduras. Após uma observação longa e atenta, solicitou ao paquete que cedesse um pedaço de barbante e notou que era igual ao que vira no bolso do caixa. Fixou o batente dos encaixes, correndo os fechos, formou um pequeno laço numa das extremidades do barbante e atou-o à parte superior duma das taramelas, fazendo-o passar pela abertura do porta-cartas (que se limitava a uma fenda na almofada da porta, protegida, no lado exterior, por uma portinhola de aço) encostou os dois batentes da porta puxou-o e a metade da lingueta saiu. Só que o pequeno laço soltou-se inviabilizando a possibilidade de provocar a saída da outra metade. Estava assim explicado o facto do gerente, na noite do crime, ter conseguido abrir a porta com apenas uma volta em cada fechadura. Teve ganas de gritar a sua alegria. Durante a operação olhou, de vez em quando, de soslaio, para o caixa e teve a certeza de que ele seguiu todos os seus movimentos. Até porque, por feliz circunstância, não havia ninguém na zona destinada ao público. Quando voltou para junto do contabilista, visto pretender falar com ele em privado, este estava ao telefone, pelo que teve de aguardar uns momentos. Felizes momentos, pois teve oportunidade de ver diante dos seus olhos a possível arma do crime: entre a secretária habitual do contabilista e a da vítima havia um cinzeiro cujo pé-alto, embora ligeiramente trabalhado na base, o restante era liso e cilíndrico. Mal o contabilista pousou o telefone, ele deu-lhe conta da sua pretensão e encaminharam-se para a sala de dentro onde se situava o gabinete do gerente. Quando ficaram a sós perguntou-lhe se a vítima ao exigir o balanço do “caixa” o fizera por rotina ou por alguma razão especial. O outro não respondeu de imediato, e, quando o fez, pareceu perceber que a pergunta se destinava à obtenção de um possível móbil do crime. Disse, então, que, embora fosse rotina, naquele caso concreto fora ele que havia chamado a atenção do chefe porque o saldo daquela conta, já há alguns dias, andava significativamente acima dos valores recomendados, o que só podia ter duas justificações: ou haver dinheiro em “Caixa” que não foi atempadamente depositado no Banco; ou então (fez uma breve pausa)... dinheiro em falta. E também notara que o caixa foi sempre apresentando justificações, aliás, bem pouco aceitáveis, em seu entender, para ir adiando o balanço, mas que o chefe, na véspera, impusera que não passaria do dia seguinte, ou seja o dia do crime. Acrescentou ainda que quando o chefe decidia balancear o “caixa” usava rubricar a respectiva folha o que, desta vez, não tinha acontecido. Interrogado ainda, se cerca de 15 minutos, seriam suficientes para balancear um “caixa”, respondeu com uma frase que deixou em suspenso: se tudo estiver bem... Agradeceu e saiu.

Passou pela Pastelaria a pretexto de tomar uma bica. O empregado que o atendeu era do tipo falador e bisbilhoteiro. Quis primeiro saber se já tinham encontrado o assassino. Pois também dedicava grande amizade à vítima a quem já há anos servia todos os dias a bica, após o almoço. E acrescentou: - Por acaso nesse dia o sr. José Fernando (nome do caixa) tomou o café mais cedo e saiu de seguida e levava consigo um embrulho (a corda, pensou). Quando quis pagar a bica, o empregado disse que era por conta da casa, mas com uma condição: - Apanhe-me o maldito que fez aquilo!

Ao passar pela Praça Velha, olhou em direcção a um banco onde se encontravam uns quantos ricaços conhecidos por se dedicarem à usura e no meio deles o agiota que lhes servia de intermediário no sujo negócio. Bateu com a mão na testa. Era isso! O seu suspeito estava nas mãos de agiotas. Pois foi exactamente com aquele rele s…





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