João Garcia

Uma locomotiva a carvão

25 de Maio de 2023


Os nossos representantes usam de forma, que se tornou banal, o termo “coesão regional”. Contudo, das palavras à realidade vai uma enorme distância, a qual entendo, muito provavelmente, irá agravar-se nas próximas décadas.

Desde meados do Século XX temos vindo a assistir à centralização de competências na ilha de São Miguel. A ilha maior, com mais população, com maior número de votantes e logo com maior número de representantes eleitos e de nomeados para o desempenho de cargos públicos.

Ouvi, atentamente, o último debate no Parlamento Açoriano sobre a ilha de São Miguel, promovido pela Iniciativa Liberal. Não podemos censurar o que foi dito pelo Deputado Nuno Barata. No seu discurso que, nesta medida, é muito claro e não deixa espaço para ilusões, verbaliza e representa um pensamento genuinamente micaelense, onde se entende que tudo deve começar em Ponta Delgada e terminar em Ponta Delgada. É conhecida a sua posição sobre a ampliação do Aeroporto da Horta e sobre a centralização do transporte marítimo de mercadorias.

O Faial foi, nestes quase 50 anos de democracia, perdendo importância no contexto regional e até nacional. Foram esvaziando esta ilha e acrescentando muito pouco. Saiu a Escola do Magistério Primário, fechou o Quartel do Carmo, deslocalizaram a Estação Rádio Naval da Horta para Ponta Delgada, retiraram a esta ilha os departamentos do Turismo, dos Transportes, da Agricultura, das Florestas e do Ambiente. Até a Direção Regional das Comunidades viu a sua sede transferida para São Miguel. De facto, a pouca representatividade de faialenses ou residentes no Faial em cargos públicos de nomeação, tão criticado no passado (e bem …) pelo PSD e CDS, como o resultado de esvaziamento político desta ilha, nunca foi tão evidente como a que se constata hoje. Passámos de mal, para pior!

Na reestruturação do mapa judiciário o Faial ficou a perder, o Tribunal perdeu estatuto, a Cadeia da Horta foi despromovida e o Comando da PSP nesta cidade perdeu a sua autonomia.

Fechou a COFACO e nenhum partido político tomou uma posição firme ou reivindicou o que quer que fosse, fazendo com que a fileira do atum fosse extinta nesta ilha. A falta de ambição para o nosso Porto chega a ser confrangedora, falta quase tudo!

Vejamos alguns exemplos de evidentes contradições neste domínio.

Encontrámos nos desportos náuticos o grande chavão “Cidade Mar”, mas a sede do Clube Naval da Horta continua a ser o único edifício público sinistrado do sismo de 1998 por recuperar. É importante que tenhamos todos consciência que os apoios públicos prestados ao Clube são manifestamente insuficientes, não fazendo, o Governo Regional, qualquer diferenciação positiva decorrente da realização das múltiplas Regatas Internacionais e a aposta na Semana do Mar é, manifestamente, insuficiente para erguer um festival náutico de dimensão nacional e internacional. Acrescenta-se a isto a crescente dificuldade em dispensar pessoas dos serviços públicos para o exercício de voluntariado no CNH, algo que nunca tinha acontecido.

Vimos instalar-se definitivamente em Ponta Delgada o Centro de Busca e Salvamento Marítimo e Comando Marítimo dos Açores, que nos leva a questionar se não deviam estar sediados na Cidade da Horta (Cidade Mar) e por que razão não estão?

Temos uma tripolaridade da Universidade dos Açores coxa, não há investimento, não há licenciatura, não há perspetiva de abertura de vagas nos quadros da UA, recusando desta forma, o acesso à carreira aos cientistas que escolheram esta ilha para viver. A maioria com trabalhos científicos reconhecidos internacionalmente, mas que, passados 30 anos, não tem segurança laboral, vivendo ano após ano, sem saber como será o próximo. Deixámos “fugir” nativos de imenso valor, que querem regressar à sua terra, mas que não encontram trabalho nas áreas do mar.

Temos uma Escola do Mar que tarda em arrancar em definitivo. Não há parque tecnológico ou incubadora de empresas ligadas ao mar. O Observatório do Mar e o Centro da Aquacultura esfumaram-se.

Não valorizámos devidamente o Instituto Okeanos, nem sequer entendemos a sua dimensão.

Foi criada uma Comissão Náutica Municipal. Na verdade, nunca entendi a sua função, nem a mais-valia que a mesma constitui.

No Parlamento ouvi a seguinte frase: - “São Miguel é a locomotiva dos Açores (…)”! Será com toda a certeza, disso não tenho dúvidas, mas infelizmente será sempre a carvão, porque a apregoada coesão regional não se faz com chavões.

São Miguel necessita de muito apoio e investimento, mais do que qualquer outra ilha, pois possui realidades sociais muitas distintas e aí sim, deverá ter a solidariedade de todos os Açorianos. Não a terá enquanto persistir neste caminho de centralização, sacudindo sistematicamente os prejuízos das empresas públicas e dos gastos públicos para as restantes ilhas.

Enquanto o esvaziamento de umas ilhas for em benefício de outras, fomentando divisionismos, muitas vezes artificializados, nunca se poderá falar em coesão regional, pois o que na realidade acontece é que estamos todos a tentar empurrar a locomotiva, mas não saímos da estação.

Os nossos representantes usam de forma, que se tornou banal, o termo “coesão regional”. Contudo, das palavras à realidade vai uma enorme distância, a qual entendo, muito provavelmente, irá agravar-se nas próximas décadas.

Desde meados do Século XX temos vindo a assistir à centralização de competências…





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