Em menos de uma semana a falência, em 10/03/2023, de um banco norte-americano, o Silicon Valley Bank (SVB), arrastou a falência de outros dois bancos dos EUA, mergulhou numa grave crise um grande banco europeu e generalizou dúvidas sobre a solidez do sistema financeiro global.
Com a falência do SVB a causar perdas nas cotações das acções de bancos de quase todo o mundo, o Departamento do Tesouro, a Reserva Federal e a Companhia Federal de Seguros de Depósitos dos EUA foram forçados, três dias depois, a garantir todos os depósitos – mesmo os que não estavam cobertos pelo seguro – do SVB e de um outro banco norte-americano entretanto também falido, o Signature Bank…
Em 15/03/2023 soube-se que um dos maiores bancos europeus, o Credit Suisse (CS), tinha estado à beira da falência, que ia receber um empréstimo de 51 mil milhões de euros do Banco Nacional Suíço e que um outro banco norte-americano, o First Republic Bank, ia ser resgatado com um depósito de 51 mil milhões de dólares de instituições financeiras dos EUA…
Governantes europeus e a Presidente do BCE têm-se multiplicado em declarações assegurando que as falências daqueles três bancos dos EUA e a crise do CS não afectarão a banca dos países da UE.
No entanto, os especialistas continuam a apontar para incertezas no sector, mesmo depois de o maior banco suíço, o UBS, ter comprado, por 3.030 milhões de euros, o CS, que registou, na passada 2ª feira, o seu pior resultado de sempre em bolsa, embora esteja, desde 3ª feira, a recuperar...
Os portugueses receberam, entretanto, uma má notícia: com a crise do CS o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social – um património autónomo criado para ser reserva e garantia de estabilidade do sistema contributivo da Segurança Social – perdeu 2.640 dos 2.700 milhões de euros que “investiu” em acções daquele banco...
As pessoas perguntam-se como é que a falência de um banco regional dos EUA, de média dimensão, pôde contagiar, em tão pouco tempo, bancos muito importantes de outros continentes e como é que esse contágio pode ser evitado…
A tal pergunta há quem responda de forma simplista e enganadora, dizendo que tudo se resumiria a «manter a vigilância», pois «não vivemos num mundo composto de ilhas» e «há fenómenos (…) onde aquilo que (…) está em causa são elementos (…) intangíveis: estamos a falar de confiança».1
Não se deve substimar a confiança no sistema: a crise de um banco cria nos depositantes e nos investidores uma intranquilidade que os faz correr a levantar dinheiro e a vender acções desse banco e de outros que estejam em situação mais vulnerável…
Mas a actual extrema volatilidade dos mercados financeiros nasceu com o fim das políticas keynesianas e com o acolhimento dos dogmas neoliberais, a partir dos governos de Reagan e de Tatcher, na década de 80 do século passado, e depois pelos governos de quase todo o mundo.
O neoliberalismo acabou com as políticas estaduais de limitação e de controlo da circulação de capitais e desenvolveu uma política de globalização apostada na liberdade absoluta da circulação de capitais e na criação de um mercado único de capitais à escala mundial, o que veio permitir aos grandes grupos económicos internacionais passarem a poder colocar o seu dinheiro e a pedi-lo emprestado em qualquer parte do mundo.2
Esse mercado global de capitais conduziu à supremacia do capital financeiro sobre o capital produtivo e ao predomínio de produtos financeiros virtuais, sem qualquer relação com a economia real, cujo valor é fixado em função dos ganhos previstos pelos especuladores.
Esses produtos potenciaram a ameaça de risco sistémico e abriram caminho à propagação contagiosa dos factores de risco, justificando, assim, plenamente, o epíteto de economia de casino que muitos autores vêm dando ao capitalismo das últimas décadas.3
Tal como nas crises anteriores, os responsáveis políticos já começaram a acusar as administrações dos bancos que faliram ou que entraram em crise de terem cometido abusos e ilegalidades, mas sem reconhecerem que tais abusos e ilegalidades foram facilitados pela ausência de restrições à circulação de capitais e pela desregulamentação da actividade financeira…
Assim, uma próxima crise financeira global, quando acontecer, será perfeitamente expectável…
1 Presidente da Comissão de Valores do Mercado Mobiliário na SIC Notícias em 18/03/2023
2 A. J. AVELÃS NUNES, Uma Leitura Crítica da Actual Crise do Capitalismo, Boletim de Ciências Económicas da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Volume LIV, pp. 4 - 12.
3 Idem, ibidem.
O autor não segue as regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990