Carlos Frayão

O poder político, o poder económico e os lobbies

26 de Janeiro de 2023


Em finais de Dezembro p. p. a imprensa noticiou que o Grupo Parlamentar do PS quer aprovar, nesta legislatura, a legalização do lobbying em Portugal.1

Se tal se confirmar, o PS dará, assim, continuidade às duas tentativas de legislar sobre esta actividade que tiveram lugar na Assembleia da República em 2019 e em 2021, nas quais aquele partido teve, aliás, um papel muito activo.

Numa plataforma da RTP que complementa conteúdos lectivos para os alunos do ensino básico e secundário encontra-se a seguinte definição de lobbying: «actividade de quem procura influenciar aqueles que exercem o poder político no sentido de acautelar os seus próprios interesses ou de grupos que representa».2

O discurso em prol da legalização do lobbying expende, entre outros, os argumentos de que ele é legal e praticado no Parlamento Europeu; de que, existindo, de facto, os lobbies, o melhor é regulá-los; e o de que o controlo dos lobbies é necessário porque o combate à corrupção através de processos crime tem tido fracos resultados.

O constitucionalista Jorge Miranda observou mesmo: «os lobbies não me agradam muito, mas talvez represente mais transparência haver lobbies institucionalizados».3

Muitos dos autores destes argumentos entendem – a meu ver, bem – que deve haver uma subordinação dos grandes interesses económicos ao poder político e parecem convencidos de que a legalização, o registo e o controlo das actividades dos lobbies contribuirão para reforçar essa subordinação ou, pelo menos, para mitigar a influência dos grandes interesses económicos sobre o poder político.

Discordo, à luz da mundividência (que alguns dirão que é ideologicamente obsoleta) para a qual o poder político, nas sociedades de classes, inclusive nas hoje tão incensadas  “democracias liberais”, representa, promove e defende os grandes interesses económicos...

Com efeito, a concepção de que numa sociedade de classes o Estado é o poder organizado de uma classe para oprimir a outra é hoje tão válida como quando Karl Marx e Friedrich Engels a inscreveram na obra histórica em que foi impressa4, porque de então para cá a sociedade continuou e continua a ser uma sociedade de classes, na qual o Estado é o instrumento de domínio político da classe economicamente dominante sobre as outras.

Olhando apenas para o Portugal contemporâneo, ninguém pode negar que nos últimos quarenta anos todos os governos e as restantes estruturas que integram o Estado, sem excepção, favoreceram, predominantemente, os interesses dos grupos económicos e das grandes empresas, cujos lucros cresceram, em regra, meteoricamente, com a exploração e com a precariedade dos trabalhadores a agravar-se e com os seus salários, reformas e pensões a desvalorizar-se em termos reais, de tudo resultando o empobrecimento de camadas mais vastas da população e o aumento da riqueza de uma ínfima minoria dela, ao que nos últimos trinta anos se acrescentou uma progressiva e consentida degradação das funções sociais do Estado, sobretudo, mas não só, na saúde e no ensino, que tem facilitado a sua crescente suplantação e, nalguns casos, apossamento, pelos privados.

Razões pelas quais não posso deixar de encarar o propósito do PS de legalizar o lobbying como um projecto do qual resultará uma protecção ainda maior e ainda mais facilidades para os grandes interesses económicos.

Assim como não posso deixar de antever que ele será demagogicamente propagandeado como um projecto para trazer transparência à vida política e para institucionalizar grupos legítimos de interesses que apenas aspiram a informar o poder político das necessidades de certos sectores da economia para dele obterem medidas que lhes respondam…

Subscrevo, por isso, a intervenção do então deputado do PCP António Filipe, que em 2019 afirmou na Assembleia da República que esta, ao querer legalizar o lobbying, pode estar em vias de legalizar uma atividade que se aproxima do tráfico de influências.

Só lamento que o PS esteja tão empenhado na promoção deste projecto, em vez de deixar esse papel para o PSD, a IL e o Chega.

 

1 Expresso (24/12/2022)..

2 https://ensina.rtp.pt/artigo/os-lobbies-na-uniao-europeia/

3 Jornal de Negócios (25/11/2018).

4 Manifesto do Partido Comunista, cuja primeira edição data de 1848.

 

O autor não segue as regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990

Em finais de Dezembro p. p. a imprensa noticiou que o Grupo Parlamentar do PS quer aprovar, nesta legislatura, a legalização do lobbying em Portugal.1

Se tal se confirmar, o PS dará, assim, continuidade às duas tentativas de legislar sobre esta actividade que tiveram lugar na Assembleia da República em 2019 e em 2021, nas quais aque…





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