Com as eleições para a liderança da IL à porta, tem-se falado bastante nos desafios que o partido terá de enfrentar nos próximos tempos. E entre eles, creio que será de destacar a capacidade, ou a falta dela, de a IL comunicar a sua mensagem a certos setores da sociedade. O principal receio, é que a IL não seja capaz de comunicar a sua mensagem a certos grupos de diferentes níveis socioeconómicos e culturais, os quais se convencem de que as políticas liberais são sinónimo de anarquia dominada pelos demónios privados. Não obstante, creio que a IL está em posição de superar estas dificuldades, sendo que deve apenas refletir sobre a sua mensagem e recentrá-la em torno de um dos conceitos-chave: oportunidade, não apenas no sentido de empreendedorismo de negócios, mas também de dar a oportunidade aos cidadãos para que sejam eles os agentes da mudança a vários níveis, não apenas o económico.
Não obstante, para se chegar a esta reflexão, é preciso abordar, desconstruir e contrariar as assunções de que o liberalismo é apenas uma palavra embelezada para anarquia. Já várias vezes se demonstrou que nenhuma das ideias do liberalismo sobrevive sem o Estado de Direito, nem uma matriz sociocultural e moral que orienta as suas ações. E Friedrich Hayek fala um pouco sobre isto na sua obra O Caminho para a Servidão. Diz ele, no capítulo III da obra, que ninguém nega a necessidade de um governo que procure resolver os problemas da sociedade o mais racionalmente possível. E sem um governo que nos assegure os nossos direitos essenciais e a nossa segurança, seria muito difícil refletir naquilo que os cidadãos têm a oportunidade de fazer ou não, quando a sua integridade básica se encontra constantemente ameaçada.
Tendo isto em conta, o ponto essencial em que liberais e socialistas divergem, segundo Hayek, é sobre qual a melhor forma de organizar a sociedade: devemos almejar que o governo se dedique a criar as melhores condições possíveis para que o indivíduo se dedique ao melhoramento dos conhecimentos e talentos e seja ele encarregue do planeamento, ou, pelo contrário, concluímos que a utilização racional dos nossos recursos requer um planeamento central de todas as nossas atividades?
Os liberais acreditam sobretudo na primeira, defendendo que o papel do Estado é o de preservar um ambiente competitivo saudável e estável, onde toda a gente tem igual oportunidade de entrar num mercado da sua escolha e produzir, comprar, vender qualquer produto ao preço do mercado. O que não significa que este ambiente seja incompatível com o fornecimento de serviços sociais, sendo que estes podem mesmo vir a ser essenciais na criação das condições essenciais para que as pessoas se possam voltar para a competição.
Daqui se conclui que os liberais procuram empoderar não apenas os empreendedores de negócios, mas todos os cidadãos que se preocupam com o estado da sua sociedade, seja de que maneira for. Os liberais acreditam que o cidadão individual está no cerne de toda e qualquer mudança social, e procuram empoderá-lo através do mercado livre e do ambiente de competição, criando o ambiente certo para que o cidadão coordene com os seus pares na busca de soluções para os problemas que os afligem.
Posto isto, o foco da mensagem liberal tem de ser recentrado no assegurar de oportunidade. Oportunidade de não só entrar em mercados e competir, mas também de refletir sobre outros males sociais e encontrar soluções para os mesmos. E este argumento não se aguenta apenas na área económica, como podemos ver na obra de T.S. Eliot The Three Senses of Culture. Nesta obra, Eliot procura refletir sobre o que significa o termo “cultura” e começa por dizer que este pode ter significados diferentes, quando a aplicamos a um indivíduo, um grupo da sociedade, ou a sociedade na sua totalidade. Eliot diz que a cultura não é algo vago, mas que antes se pauta por padrões e objetivos concretos a serem alcançados por esforço deliberado.
Deste modo, somos capazes de avaliar a cultura de um indivíduo porque o comparamos contra o “background” do grupo em que se insere, e a cultura do grupo contra a da sociedade no seu todo. No entanto, Eliot diz que, embora um indivíduo possa treinar para se tornar, por exemplo, o pintor mais renomado da sua escola, não é isso que lhe confere cultura. Isto porque “cultura” não se resume a uma simples atividade, excluindo várias outras que também figuram no sentido de cultura. Pelo contrário, a cultura surge da interação entre grupos e entre indivíduos e da sua partilha de interesses e conhecimentos, bem como participação e apreciação mútua.
Tudo isto para dizer que a IL deve repensar a sua mensagem e centrá-la em torno deste sentido de “oportunidade”: A oportunidade não só de participar no mercado livre, mas também nesta interação sócio cultural que T.S. Eliot defende. É desta forma que a IL pode chegar a outros grupos da sociedade, ao demonstrar que confia no cidadão e que todas as suas políticas e medidas se destinam a dar-lhe a oportunidade de ser ele o líder da mudança na sociedade, ao participar na competição do mercado livre e construir novas pontes e formas de funcionamento da sociedade através deste diálogo com cidadãos e grupos de diferentes “backgrounds” sócio culturais.
Talvez se João Cotrim de Figueiredo tivesse refletido sobre a essência liberal desta forma, não se teria despedido tão cedo. E eu espero sinceramente que o próximo líder da IL se dedique a refletir sobre esta ideia, a fim de poder facilitar a progressão do partido.