José Amorim F. Carvalho

100 Anos de Festa a Santa Cecília (1922 - 2022)

22 de Novembro de 2022


EFEMÉRIDE

A Igreja celebra hoje a Memória Obrigatória da Festa da mártir Santa Cecília.

Assinalando a data o INCENTIVO publica o texto de José Amorim de Carvalho, que o mesmo proferiu numa conferência durante a sessão solene, na igreja do Carmo, no dia 13 do corrente.

Santa Cecília é a padroeira dos músicos que, este ano, se reuniram mais uma vez, para prestar homenagem à mártir que elegeram como protetora.

Como descreve o orador, a Festa realiza-se na ilha do Faial há cem anos.

Entre outras iniciativas relacionadas com a música, merece especial referência a missa, que se celebrou na igreja Matriz, com a participação das filarmónicas e grupos corais da ilha, como é tradição.

Este ano do centenário, no fim de semana dedicado a Santa Cecília, no domingo 13 de novembro, realizou-se pela primeira vez uma procissão integrando todas as filarmónicas da ilha.

O culto da Padroeira dos Músicos – Santa Cecília – pratica-se em várias localidades do nosso país, tendo nesta ilha do Faial uma tradição muito peculiar.

Foi no ano de 1922, que o Cónego Dr. Francisco Garcia a Rosa, destacado pela Diocese de Angra para exercer o seu “múnus” na Horta como Vigário da paróquia da Matriz do Santíssimo Salvador e Ouvidor do Concelho, tomou a iniciativa de juntar as “capelas” das três paróquias da cidade e alguns instrumentistas residentes, para a interpretação da “Missa a três vozes de homem” de Eduard Sagattine, assinalando assim o dia de Santa Cecília, 22 de novembro.

A expetativa em redor desta iniciativa foi tal, que após a missa, foi oferecido aos músicos, pelas senhoras da sociedade faialense, um chá e doces conventuais, por elas confecionados, gesto que se manteve por vários anos.

Devido às dificuldades de transporte, a festa manteve-se, durante cerca de três décadas, como homenagem paroquial, até que em 1955, Monsenhor Pereira da Silva convidou as “capelas” de toda a ilha a integrar-se na festividade. O coro alto do velho templo dos Jesuítas tornou-se então exíguo para albergar tantas vozes e os fiéis vinham com muita antecedência para tomar lugar na igreja.

Em 1970, Monsenhor Freitas Fortuna, alargou a festa também às oito filarmónicas da ilha. O espetáculo tornou-se deslumbrante com as filarmónicas a desfilar pelas ruas da cidade tocando em conjunto “O Lusito” uma marcha expressamente composta para o efeito pelo compositor terceirense Manuel Coelho da Silva. Fotos da época mostram os cerca de trezentos filarmónicos em desfile.

Pelo brilho que atingiu, o nosso saudoso conterrâneo Humberto de Melo Pereira, produtor e realizador de televisão, trouxe até nós em 1977, uma equipa da RTP que transmitiu em direto da Matriz da Horta para todo o país, a solene Eucaristia.

A RDP Açores transmitia regularmente a Missa, por iniciativa do saudoso sacerdote Florêncio Lino, que fazia os precisos comentários. Após a sua súbita morte, o Sr. Professor Fernando Dutra de Sousa, através da nossa Rádio Antena 9, levava também os nossos velhinhos e doentes o som da nossa festa, também comentando as partes da Missa.

Após o Vaticano II, começou a notar-se que algumas Capelas , agora chamadas de “Coral de Igreja” começavam a ter mais mulheres que homens, o que nos obrigou a substituir a missa de Eduard Sagattini, pela Missa Pontificalis I, de Lourenço Perosi, pois sendo escrita para Contraltos, Tenores E baixos, dava assim a hipótese de incluirmos as vozes femininas na parte de Contralto.

Com a chegada do Senhor Padre Marco Luciano, em boa hora, passou este a escolher, como é óbvio, o reportório cantado.

Recordando o passado, tinha eu 12 anos, quando pela primeira vez participei nos cânticos da Missa de Santa Cecília. Cantava Contralto na Capela da paróquia de Castelo Branco, quando com as minhas colegas e algumas senhoras que já cantavam nas Capelas da Ilha, cantávamos apenas, nos cânticos em português do Ofertório, da Comunhão e de Ação de Graças.

Para mim foi como um prémio que tanto desejava, conhecer os melhores músicos da ilha ligados a esta Festa: Ricardo Ventura, Xavier Simaria, João Ramos, Manuel Gaudêncio, Nestor Bulcão, Júlio de Andrade, Thieres de Lemos, Franklim Dutra, Alberto Vargas, Manuel Pinheiro, Mariano Madruga e outros de que não consigo lembrar-me.

Este encontro nos anos setenta, tinha uma média de 80 vozes e cerca de 300 filarmónicos, a quem era servido no fim da missa, um pequeno lanche no Salão Nobre da CMH, cedido para o efeito pelo então Presidente Sr. Vítor Macedo.

A Comissão oficial deste evento era constituída pelo então Pároco da Matriz, mais duas pessoas: o Sr. Alberto Vargas, na parte instrumental, e o Sr. Thieres de Lemos na parte externa e financeira, contando com a ajuda do Mecenato, algumas agências bancárias e comércio local.

Mas o grande organizador, o homem que personificou esta festa, durante muitos anos, foi o senhor Thieres de Lemos com que tive o prazer de trabalhar, após substituir o senhor Alberto Vargas na regência da Unânime Praiense.

Havia até quem se referisse a esta festa como a festa do Sr. Thieres.

Em outubro começávamos a desenhar o programa, mandando imprimir o respetivo folheto, que distribuíamos pela cidade e entregávamos aos condutores das camionetas dos Farias Lda, que os deixavam nos estabelecimentos onde paravam, para que toda a ilha tomasse conhecimento.

Punha sempre em exposição, na montra da Casa das Casimiras, os seus quadros com fotos dos grupos que haviam participado nos anos anteriores.

Todos os anos assinávamos as folhas de presença, por paróquia, e tirávamos uma fotografia em frente aos correios, exceto no ano de 1980. Éramos tantos, que a pedido da PSP tivemos de utilizar o campo de jogos do SCH.

Foi esta foto, que incluí na Revista “Entre Bandas” editada pela Confederação Musical Portuguesa, e enviada às suas congéneres do Rio de Janeiro, Espanha e Itália, que além da nossa Diáspora, passaram também a conhecer como festejávamos o dia de Santa Cecília.

 

Vida e obra do Cónego
Dr. Francisco Garcia da Rosa – Alguns dados

Nasceu em São João do Pico, filho de António Garcia da Rosa e Maria Úrsula, que foram pais de 11 filhos, sendo ele o nono, nasceram ainda mais duas irmãs, que não casaram e sempre o acompanharam, exceto no período de Roma. Faleceu em Angra do Heroísmo, no ano de 1953, com doença incurável.

Cursou o Seminário da Diocese de Angra e cedo começou a impressionar os seus professores, mostrando dotes excecionais nas disciplinas de Música e Órgão, de que era exímio aluno.

Por escolha da Diocese, seguiu para Roma, a fim de se doutorar em Filosofia, Teologia, Música Sacra e Órgão. Infelizmente, por motivos de doença, teve de regressar aos Açores, faltando-lhe apenas o doutoramento em História Sacra e Órgão, que era a sua paixão.

Foi chamado para professor do Seminário, em 1926, lugar para que havia sido preparado, e colocado como pároco da igreja de Nossa Senhora da Conceição, em Angra do Heroísmo.

A sua maior consagração havia de acontecer em 1939, nas cerimónias fúnebres do Papa Pio XI, onde no início, sentado ao monumental órgão da Sé de Angra, executou uma obra de sua autoria. Alguns lhe chamaram de Marcha Fúnebre).

Na sala, entre a assistência embevecida, encontrava-se o Cônsul de França, que no fim das cerimónias se lhe dirigiu, pedindo-lhe a respetiva partitura. Qual não foi o espanto, não existia partitura, Garcia da Rosa tinha executado tudo de improviso.

Aliás, falando com a pessoa que o acompanhava nos concertos que realizava nas férias, que vinha sempre passar na sua terra natal, disse-me que nunca o vira tocar com um papel na frente, era algo que muito o impressionava.

 

O Canto Litúrgico nas nossas Igrejas

Deixo-vos agora a minha opinião sobre a música da liturgia das missas e outros atos do culto religioso, que tenho ouvido e observado nestes últimos 50 – 60 anos.

Na minha juventude era o texto polifónico cantado à Capela, com acompanhamento de órgão, o que me fascinava. A Capela composta só por homens, cantava em latim, língua oficial da Igreja Católica.

A Assembleia apenas ouvia. Mas havia sempre da parte dos cantores o sentido do belo e a transmissão de uma mensagem, que os fiéis interiorizavam, como um ato de oração/encontro com Deus.

Esta Escola vinha do Seminário de Angra, por onde passaram nomes de grande saber e mestria como criador desta festa dr. Francisco Garcia da Rosa, o Padre José Silveira d’Ávila que vindo passar as férias com seu irmão Padre Manuel d’Ávila, que paroquiava na igreja de Santa Catarina, em Castelo Branco, fez Escola na Capela e na Filarmónica. O mesmo acontecia noutras paróquias da nossa Diocese.

Mas desta geração o grande mestre foi o padre Edmundo Machado Oliveira. Segundo o que colhi junto do Padre Vicente Afonso, famoso Tenor, nos ensaios, quando notava algum cansaço nas vozes, dizia: “vamos repetir e melhorar, ainda não está bom para ir ver a Deus”. Tal era o grau de exigência e perfeição que imprimia na execução de qualquer motete sagrado.

Estes grandes mestres do Seminário foram desaparecendo e a formação musical passou a ser orientada noutro sentido, bem menos exigente. E como esta tendência não bastasse, entrou-se então em algo de medíocre, perdoem-me a expressão. Os textos musicais, que desde o Vaticano II passaram a ser cantados em língua vernácula, foram, aqui e ali, colhidos da música ligeira profana, adaptados sem qualquer nexo nem justificação.

Felizmente as coisas têm vindo a melhorar e uma prova disso foi o que ouvimos há bem poucos dias nesta igreja, no III Festival de Coros do Triângulo, foi o voltar ao belo do passado.

Não precisa cantar a quatro, três ou duas vozes, basta só uma voz, mas que tenha o sentimento de rezar a Deus.

E termino, porque já vou extenso, recordando o seguinte:

É importante que todos os nossos Coros de Igreja se encontrem com as suas comunidades; é importante que as nossas filarmónicas cresçam com o apoio de toda a sociedade; é importante celebrar esta Festa, fazendo dela o maior encontro musical desta terra.

A Igreja celebra hoje a Memória Obrigatória da Festa da mártir Santa Cecília.

Assinalando a data o INCENTIVO publica o texto de José Amorim de Carvalho, que o mesmo proferiu numa conferência durante a sessão solene, na igreja do Carmo, no dia 13 do corrente.

Santa Cecília é a padroeira dos músicos que, este ano…





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