As eleições presidenciais brasileiras foram, até há quinze dias, notícia de primeira página dos jornais e tema obrigatório de artigos de opinião de comentadores de todos os quadrantes.
Não vou, por isso, acrescentar nada ao que foi dito e escrito sobre elas.
Quero apenas dar o meu contributo para esclarecer a dúvida manifestada por várias pessoas às quais, antes da segunda volta das eleições, ouvi dizer, referindo-se a Bolsonaro e a Lula da Silva: «entre os dois, venha o diabo e escolha»…
Bolsonaro é um político de cariz fascizante ou mesmo fascista, como o provam o seu lema Deus, Pátria e Família – que também foi o de Mussolini e de Salazar – e os discursos em que afirmou que «o erro da ditadura foi torturar e não matar»; «sou a favor, sim, de uma ditadura, de um regime de exceção»; e «[este país] só vai mudar se um dia nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro e fazendo o trabalho que o regime militar não fez: matando uns 30 mil [e] se vai morrer alguns inocentes, tudo bem, [em] tudo quanto é guerra morre inocente».1
Bolsonaro promoveu políticas ultraliberais e de confronto social que fizeram do Brasil um país com um dos piores índices de crescimento do PIB, uma das piores taxas de investimento e de desemprego e uma das piores taxas de inflação acumulada 2, no qual, durante a sua governação, os brasileiros em situação de pobreza extrema cresceram 10 milhões.3
Muito haveria para dizer sobre Bolsonaro, sobre a oligarquia financeira que representa e sobre a corrupção que pratica – como é o caso do seu orçamento secreto – mas fico por aqui e recordo apenas que Bolsonaro, desprezando o valor da vida humana, a autoridade da ciência e a preservação do planeta, fez do Brasil, entre as 20 maiores economias do mundo, o país onde a Covid-19, proporcionalmente, matou mais gente e onde a desflorestação da Amazónia cresceu em quatro anos 56%.
Lula, por outro lado, não é o “perigoso” radical que Bolsonaro propagandeia: embora se afirme um «socialista refinado», é, a meu ver, um social-democrata de esquerda que tentou instituir um estado social no Brasil e com uma grande vocação para combater a fome e a pobreza, o que, sendo positivo, é especialmente louvável numa região tão flagelada pela desigualdade como a América Latina.
Com base numa política de redistribuição de rendimentos, Lula retirou 28 milhões de brasileiros da miséria e fez com que outros 36 milhões transitassem para a classe média, elevou o Brasil a uma situação de quase pleno emprego, abriu 14 novas universidades, 214 novas escolas técnicas e 126 novas extensões de nível superior e terminou a sua governação com um índice de aprovação popular superior a 80%.
Bem sei que o Partido dos Trabalhadores (PT), fundado por Lula, caíu em grande descrédito pelos escândalos de corrupção em que esteve envolvido, o mais conhecido dos quais foi o mensalão (a mensalidade que o PT pagava a deputados para votarem propostas legislativas do Governo e dos partidos da sua base de apoio), mas Lula afirmou sempre desconhecer esse esquema, afastou do Governo os implicados e não chegou sequer a ser arguido nos respectivos processos.
Lula foi acusado, julgado e condenado, tendo cumprido 580 dias de prisão, por uma construtora lhe ter oferecido, alegadamente, um apartamento, em troca de contratos públicos que beneficiariam uma empresa petrolífera, mas o Supremo Tribunal Federal do Brasil declarou a incompetência do tribunal que o condenou, anulou as sentenças e reconheceu que o juiz que o julgou – Sérgio Moro, que veio a ser apoiante e ministro de Bolsonaro – tinha sido parcial.
Finalmente, generalizou-se a convicção, expressada também pelo Comité de Direitos Humanos da ONU, de que os processos contra Lula visaram retirar-lhe direitos políticos e impedi-lo de se recandidatar, na sequência do golpe de estado que destituiu Dilma Rousseff.
Eis algumas das razões pelas quais, se fosse brasileiro, eu teria votado em Lula da Silva.
1 Consultável em https://www.cartacapital.com.br/politica/bolsonaro-em-25-frases-polemicas/
2 Idem, ibidem.
3 Consultável em jornalistaslivres.org/10-milhoes-de-pessoas-entraram-na-miseria-durante-o-governo-bolsonaro/
O autor não segue as regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990