Jorge Moreira Leonardo

Os Filhos (XV)

29 de Setembro de 2022


Com o espírito totalmente absorvido pela recordação dos acontecimentos mais marcantes da sua vida sentimental - que a referida notícia desencadeara - os que se referiam ao seu percurso político que o levaria à actual posição de líder parlamentar dum dos partidos da coligação governamental - embora minoritário - só surgiram quando coincidiam inevitavelmente com aquela faceta da sua vida. Ainda assim, deu para recordar as reuniões secretas com ex-condiscípulos da Universidade - independentemente das tendências políticas que, ao tempo, tinham um ideal comum: a restauração dos direitos fundamentais dos cidadãos - a sua incredulidade quanto à chamada primavera marcelista e, finalmente, o 25 de Abril com todas as esperanças e desencantos.

O ano mais negro da sua vida foi, por coincidência, aquele em que o seu casamento - então já totalmente desgastado - completava a primeira década. No espaço de três meses, morreram o seu professor primário e o padre Marques: o primeiro, ainda relativamente novo - 72 anos – vítima de enfarte; o segundo de velhinho com a proveta idade de 88 anos. Deslocou-se à sua terra para assistir aos funerais, pois não podia ficar indiferente perante a morte de duas pessoas a quem tanto devia e que lhe eram tão queridas.

Na primeira daquelas viagens aproveitou a ocasião para apreciar as benfeitorias de que encarregara o irmão de mandar executar na casa de seus pais para lhe dar mais conforto, tendo ficado satisfeito com o que viu. Também verificou com satisfação que o irmão, possuindo em espírito empreendedor o que lhe faltou em vocação para o estudo, tinha aumentado e modernizado a pequena lavoura, com o arrendamento de novas terras e aquisição de modernos equipamentos o que lhe proporcionava uma vida desafogada quer a ele quer aos pais. Isso, contudo, não impedia que ele enviasse todos os meses um cheque de razoável montante, pois não concebia a ideia de viver ricamente enquanto aqueles que lhe haviam dado o ser tivessem de contar os vinténs. Passados apenas quatro meses sobre a última daquelas mortes, de que ele ainda mal se refizera, recebeu um telefonema angustiante do irmão, informando que a madrinha - que já contava oitenta e três anos - adoecera súbita e gravemente receando-se um desenlace fatal a qualquer momento. Como ainda era de madrugada, teve tempo de telefonar para a TAP e ainda nessa manhã partiu para a Terceira. À chegada, tomou um táxi e seguiu directamente para o Hospital de Angra tendo sido introduzido, de imediato, no quarto em que se encontrava a doente. A enfermeira que o acompanhou recomendou-lhe que não a acordasse, pois tinha-lhe dado um sedativo e ela adormecera finalmente depois dum período de grande agitação. Ficou sentado à cabeceira todo o tempo que a doente dormiu acabando ele próprio por passar pelas brasas. Acordou quando sentiu a sua mão entre as mãos da madrinha que entretanto acordara sem ele dar por isso e lhe ciciou: - Meu filho! Ainda chegaste a tempo. Sentiu a garganta apertada e uma imensa vontade de chorar. Beijou a testa à madrinha e disse: - Ainda vamos ter muito tempo madrinha. Ela sorriu tristemente mas não respondeu.

Ele que já soubera através do médico que se tratava dum problema sem solução, não quis, nem por um só momento, abandonar o quarto. Certa manhã, três dias após a sua chegada, notou-lhe um respirar mais profundo. Abeirou-se da cama e percebeu que se passava algo de anormal. Tocou a campainha e a enfermeira apareceu quase de imediato e, após uma breve observação da doente, foi de carreira chamar o médico, mas já nada havia a fazer. A madrinha acabava de expirar.

Enquanto o pessoal do hospital tratava da transferência do cadáver para a casa mortuária, ele, sentado numa cadeira, com a cabeça entre as mãos, chorou convulsivamente a morte da pessoa que mais queria neste mundo. Depois, já mais sereno, telefonou para o irmão que, pouco mais de uma hora depois, estava com ele prontificando-se a tratar de tudo. Ele apenas recomendou que o velório se efectuasse na casa da madrinha donde ela partiria para a sua derradeira morada.

Após o funeral, foi procurado por um advogado que lhe comunicou ter de sua posse um documento no qual a madrinha, que não tinha qualquer familiar sobrevivo, o fizera a ele herdeiro de todo o seu património. Ele agradeceu e depois de tomar nota do endereço – que era na Praia da Vitória – prometeu que qualquer dia o procurava. Já decidira, aliás demorar-se pelo menos até à realização da missa do sétimo dia, e aproveitar para estar com os seus pais e tomar algumas decisões.

Com o espírito totalmente absorvido pela recordação dos acontecimentos mais marcantes da sua vida sentimental - que a referida notícia desencadeara - os que se referiam ao seu percurso político que o levaria à actual posição de líder parlamentar dum dos partidos da coligação governamental - embora minoritário - …





Para continuar a ler o artigo torne-se assinante ou inicie sessão.


Contacte-nos através: 292 292 815.
130
Outros Artigos de Opinião
"A História de Abandono da Igreja de Nossa Senhora…"
João Garcia

AO ABRIR DA MANHÃ
.
"Finalmente arrancou a 2ª fase da variante"
Carlos Faria

REFLEXOS DO QUOTIDIANO
.
"As Obrigações de Serviço Público prejudicam o Fai…"
João Garcia

AO ABRIR DA MANHÃ
.
"Democracia, mas não muita…"
Rui Gonçalves

A ABRIR
.
"Uma guerra movida por interesses que não são noss…"
Carlos Frayão

REFLEXOS DO QUOTIDIANO
.
"A Resignação da Asfixia das Liberdades"
João Garcia

AO ABRIR DA MANHÃ
.
"Sinais de esperança"
Carlos Faria

REFLEXOS DO QUOTIDIANO
.
"Pela igualdade, contra a invisibilidade"
Isabel Lacerda

REFLEXOS DO QUOTIDIANO
.
"A propósito das «causas profundas» da ascensão do…"
Carlos Frayão

REFLEXOS DO QUOTIDIANO
.
"Compromisso Comunitário: Processos de Reabilitaçã…"
João Garcia

AO ABRIR DA MANHÃ
.