Carlos Frayão

Desculpem, mas não acredito...

11 de Agosto de 2022


Censuro o regime da República Popular da China (RPC), desde logo, mas não só, pelas graves limitações que impõe às liberdades e aos direitos dos seus cidadãos, incompatíveis, a meu ver, pelo menos no longo prazo, com a superioridade da democracia de uma sociedade socialista.

E considero que a RPC – que tirou da pobreza mais de 850 milhões de chineses e está a caminho de se tornar a primeira potência económica do mundo – não está a construir o «socialismo de mercado» e «com características chinesas» que os seus dirigentes apregoam: a sua economia é cada vez mais um capitalismo-de-estado, que, para além do mais, aprofunda desigualdades (o número de bilionários da RPC chegou em 2020 aos 992 e ultrapassou os 669 bilionários dos EUA).

As minhas críticas à RPC não me impedem, porém, de compreender que a visita de Nancy Pelosi a Taiwan foi uma provocação à RPC, montada pelos EUA, com graves consequências para a paz na região da Ásia-Pacífico e no mundo…

Desde 1971 que toda a China é representada na ONU pela RPC.

A partir de 1972 os EUA, com a esmagadora maioria da comunidade internacional, aceitaram o princípio de que existe «uma só China», com o que Washington reconheceu Pequim como o único governo legítimo de toda a China, incluindo Taiwan, a ilha chinesa onde os nacionalistas do Kuomintang, liderados por Chiang Kai-Shek, se refugiaram em 1949, depois de terem sido derrotados na guerra civil pelos comunistas, chefiados por Mao Tsé-Tung.

A RPC consagrou na sua Constituição o princípio de «um país dois sistemas», segundo o qual a RPC segue o sistema socialista, mas algumas Regiões Administrativas Especiais (Hong-Kong, Macau e Taiwan) podem manter o sistema capitalista e uma ampla margem de autonomia.

A Assembleia Nacional Popular da RPC aprovou em 2005 uma «Lei Anti-Secessão» que autoriza a RPC a usar, no âmbito do processo de reunificação com Taiwan, no caso de a ilha declarar a sua independência, «meios não pacíficos», mas Xi Jinping tem reafirmado que a «reunificação de forma pacífica é a que está mais em linha com os interesses gerais da nação chinesa».

A RPC apontou a meta da reunificação para 2049, ano do 100º aniversário da sua fundação, e nenhum governante da ilha se propôs declarar a independência de Taiwan, ainda que para uma data longínqua.

Neste contexto, o que explica que os EUA tenham decidido pôr termo a um status quo de relativo equilíbrio na região, promovendo a visita da 3ª figura da sua hierarquia de estado a Taiwan, cientes de que tal visita seria interpretada quer pela RPC quer por Taiwan como um sinal de apoio à independência da ilha e advertidos de que enfrentariam «fortes medidas em resposta e deveriam assumir todas as consequências»?

Pelosi disse que os EUA apoiam a democracia em Taiwan porque «o mundo enfrenta uma escolha entre autocracia e democracia».

Estas palavras só não são uma anedota porque a realidade do empenhamento dos EUA em golpes para o derrubamento de governos democráticos e no apoio a ditaduras as desmente tragicamente...    

Com a presente escalada na política de confrontação com a RPC o que os EUA querem desde já, embora ainda não o assumam, é pôr em causa o princípio de «uma só China», que a comunidade internacional aceita há 50 anos, para depois, numa segunda fase, pressionarem a mesma comunidade internacional a rejeitá-lo.

E a principal razão pela qual querem pôr tal princípio em causa é porque estão preocupados com o papel e o peso crescentes da RPC no plano internacional e com a ameaça que ela representa para a hegemonia económica dos EUA no mundo.

Acresce – para além da importância tecnológico-económica de Taiwan para os EUA – que o Partido Democrata enfrentará em Novembro eleições intercalares para o Congresso e para o Senado e houve sondagens que previram a possibilidade de uma vitória do Partido Republicano, pelo que a presente escalada também visa passar para os eleitores americanos uma “imagem de força” de Joe Biden...

Por tudo isto, desculpem, mas não acredito nas notícias que dizem que o Pentágono considerou «não ser boa ideia» Nancy Pelosi ir a Taiwan neste momento, que Biden desconhecia o status da visita e que esta «foi uma decisão dela» (de Pelosi)...

 

O autor não segue as regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990

Censuro o regime da República Popular da China (RPC), desde logo, mas não só, pelas graves limitações que impõe às liberdades e aos direitos dos seus cidadãos, incompatíveis, a meu ver, pelo menos no longo prazo, com a superioridade da democracia de uma sociedade socialista.

E considero que a RPC – que tirou da pobreza…





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