Nesse mesmo ano lectivo – 1948/49 - ingressou também no Liceu um moço natural da Praia da Vitória, José Nunes Ávila, de seu nome, filho dum abastado comerciante daquela, ao tempo, Vila. As suas dificuldades de relacionamento não foram consequência do nome e, ainda menos, de indumentária, pois sua mãe, oriunda duma família da cidade, soubera apresentar o filho de maneira a que este não tivesse de recear confrontos. Pelo contrário, chegou sim a suscitar alguma inveja - involuntária, embora - face à excelência e variedade do vestuário que exibia. Ademais, as frequentes visitas que efectuava a seus avós maternos (onde, aliás, passava o período escolar, mas sem qualquer benefício em matéria de liberdade) pessoas de posses e de bom relacionamento no meio angrense, haviam-lhe transmitido os modos citadinos de menino bem. Os seus problemas eram de outra ordem. José era filho único. Sua mãe, senhora demasiado possessiva, criara-o agarrado às saias. Antes da idade escolar o Zézinho - diminutivo utilizado pelos familiares - nunca saiu à rua sozinho. Uma vez por outra, e, caso o tempo permitisse, era-lhe concedida a liberdade de, debruçado numa meia-porta da loja de casa, observar os outros miúdos jogando o pião, o futebol, brincando aos toiros e demais traquinices próprias da idade, de que ele adoraria participar, mas que lhe eram severamente proibidas. A sua única rebelião contra a ditadura materna (o pai demasiado ocupado com a sua actividade comercial, entregara à esposa o encargo de educar o filho) era ir ao quintal roubar groselha que oferecia às crianças da sua rua para que estas, sentadas no degrau de acesso à loja, conversassem um pouco com ele. Depois, ao ingressar na Escola Primária, a escassa centena de metros de casa, era sempre acompanhado pela mãe ou então por uma criada, quer nas idas, quer nas vindas e exageradamente agasalhado, não fosse apanhar alguma.
Já então no Liceu, recusava todos os convites para jogar ao futebol ou qualquer outra brincadeira, e, sempre que havia algum furo, que os colegas aproveitavam para ir passear, ele ficava no claustro estudando. Cedo, deixaram de o procurar, pois não estavam para perder tempo com aquele menino da mamã.
Foi esse isolamento comum, tendo embora causas diferentes, que propiciou a aproximação ao Francisco das Fontinhas e iniciar uma amizade que, com o decorrer do tempo, se foi consolidando e os tornou confidentes um do outro. Porém, enquanto o Francisco se foi libertando dos seus problemas e até granjeando o apreço e admiração dos colegas, mercê do seu extraordinário sucesso escolar, o José manteve sempre os seus e até passou a acobertar-se, de boa vontade, a um certo proteccionismo do colega. É que o José nunca foi um aluno brilhante e o seu razoável aproveitamento - que lhe permitiu passar ano após ano - deveu-se mais às longas horas agarrado aos livros do que à sua modesta inteligência.