Cinquenta e um anos depois da revolução do 25 de Abril, luso-americanos que viveram a ditadura e emigraram para os Estados Unidos alertaram para a necessidade de preservar a memória e não deixar que as novas gerações se iludam.
“Há uma tentativa de mitificar o salazarismo”, afirmou o professor Diniz Borges, num evento organizado pelo Instituto Português Além-Fronteiras, a que preside, na Universidade Estadual da Califórnia em Fresno.
“Tenho as memórias de uma terra pobre e triste”, contou, falando da sua origem numa pequena freguesia dos Açores, de onde saiu aos 10 anos.
No evento, intitulado “Revolução dos Cravos: Perspetivas de Portugueses na América”, o professor reformado José Luís da Silva considerou que há hoje uma “tentativa de limpar a imagem” de Salazar por certas franjas da sociedade.
“O tempo é perigoso, faz esquecer muita coisa e dourar o passado. Temos de evitar o saudosismo do antigo”, salientou. O vice-presidente da Luso-American Education Foundation lembrou que o regime usava o medo e o analfabetismo para controlar a população, e que em grande parte do país – incluindo a sua freguesia, Relva – não havia água canalizada nem eletricidade.
“Havia a Casa do Povo, a escola até à quarta classe e era isso”, apontou. “Era o regime do medo e do atraso com alguns avanços brandos, tudo muito pacato. Enquanto a Europa avançava, nós estávamos a marcar passo na Europa e no mundo”.
Também Anísio Correia, luso-americano que viveu a revolução em Portugal, apontou para o perigo da falta de memória e do ensino do que foi o regime ditatorial e como ele acabou.
“Tenho muito receio que as pessoas se esqueçam e comecem a idealizar um tempo horrível, antes da Revolução. E comecem a acreditar no que lhes dizem charlatães”, afirmou, realçando que há vozes que estão a crescer em influência e vendem uma visão do regime que não corresponde ao que realmente se passava.
Correia lembra que, nas primeiras eleições democráticas e livres em Portugal, a 25 de abril de 1975, foi atingido o recorde de participação de 91,7%, algo que é “impensável” hoje em qualquer democracia.
“Os problemas que agora surgem em Portugal são muito mais universais, são problemas e desafios à democracia que temos de ter em conta”, disse o consultor. “Espero que nós, como sobreviventes de uma época em que a democracia não existia, possamos dar o exemplo a quem não conheceu esse tempo”.
Ilídio Pereira, banqueiro que emigrou para os Estados Unidos em 1978, considerou que uma das maiores conquistas de Abril foi a eliminação da PIDE. “Ao ser extinta esta polícia de informação, tirou poder a quem a implantou e deu liberdade a quem a detestava”, apontou.
O movimento sindical que deu direitos aos trabalhadores e a liberdade de educação foram outros avanços importantes para o luso-americano, que se mostrou crítico da forma branda como a data tem sido assinalada na diáspora e até no país.
“Fico triste que haja autarquias em Portugal que não celebraram nada”, disse, referindo-se ao cancelamento de cerimónias devido à morte do Papa Francisco.
Pereira também notou que muitas associações portuguesas nos Estados Unidos prepararam celebrações focadas na gastronomia, mas sem grandes referências ao 25 de Abril, algo que Diniz Borges confirmou.
“A falta de celebração do 25 de Abril pelo corpo diplomático português é assustadora”, afirmou o professor, reivindicando também maior atenção ao ensino de português na diáspora.
“Se Portugal tivesse investido no direito aos filhos dos imigrantes de aprenderem português, 50 anos mais tarde não tínhamos o problema que temos hoje”.