A crise de habitação que hoje vivemos resulta da transformação das casas num negócio para fazer dinheiro, diz Sam Tsemberis, criador do modelo Housing First (Casa Primeiro), defendendo o controlo e a regulação do mercado.
“As pessoas já não compram uma casa para si e para as suas famílias. As pessoas estão a comprar casas para investimento, empresas, fundos especulativos, Airbnb… Todos estes investimentos na habitação como um negócio, para ganhar dinheiro, estão a colocar o mercado imobiliário além do alcance dos salários das pessoas comuns”, assinala o professor e investigador.
Em entrevista à agência Lusa, junto à sede da associação Crescer, no bairro da Quinta do Cabrinha, em Lisboa, a convite da qual está a participar num congresso sobre o tema, que decorreu ontem e se estende ao dia de hoje, Sam Tsemberis reconhece que “a crise de habitação global é um dos maiores problemas” da atualidade.
“O mercado imobiliário não é controlado nem regulado na maior parte dos lugares e o mercado está a fazê-lo subir e a colocá-lo fora do alcance de muitas pessoas. É uma grande crise”, afirma.
O psicólogo clínico, que criou um modelo assente na premissa de que primeiro é preciso dar casa a quem não a tenha e só depois tratar das suas outras necessidades, acredita que é possível “acabar com as pessoas em situação de sem-abrigo nas ruas porque se trata de um número muito, muito pequeno”.
O problema, reconhece, é que “a economia habitacional mudou” e essa mudança vai traduzir-se em “muitos mais sem-abrigo”.
Perante este cenário, têm surgido respostas interessantes, por exemplo no Canadá.
“Acho que é interessante regulamentar o investimento estrangeiro e também o que fizeram recentemente em Berlim [na Alemanha], impondo limites às rendas durante cinco anos, sem aumentos”, saúda.
“Qualquer coisa que possamos fazer para regular ou controlar o mercado de arrendamento e a venda de habitação como mercadoria é um passo na direção certa”, defende.
Mas não chega, avisa: “Além disso, temos de construir muito mais habitações sociais ou habitações públicas porque nem todos poderão pagar as rendas de mercado”.
O modelo Housing First existe atualmente em duas dezenas de países na Europa, nos Estados Unidos, no Canadá, na Austrália e na Nova Zelândia e Sam Tsemberis estima que “dezenas de milhares de pessoas já tenham beneficiado dos seus programas”.
Organizado pelo projeto Lisboa Housing First, gerido pela associação Crescer, o “É um congresso” vai juntar 50 oradores de vários países na Nova School of Business and Economics, em Carcavelos, no concelho de Cascais.
O objetivo do congresso é mostrar os resultados de uma década de trabalho, reunindo especialistas e pessoas que estiveram em situação de sem-abrigo.